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  • Glaucy Lucas

O REGICÍDIO QUE NUNCA FOI JULGADO




A disputa dos Braganças pelo trono de Portugal, antes velada, veio a se tornar declarada, e acirradíssima, quando do desastre de Alcácer Kibir, batalha na qual desapareceu o rei Dom Sebastião. Tendo chegado a notícia de que o rei e o seu exército foram batidos pelo inimigo, ninguém cuidou de saber da sorte de Dom Sebastião, se estava morto ou era cativo dos mouros. Assim foi porque era uma tragédia programada, estudada nos mínimos detalhes, para que fosse bem sucedida. O Cardeal Dom Henrique, de imediato, tratou de subir ao trono sem passar pela regência, até que se confirmasse a morte do rei. Logo, Filipe se proclamou herdeiro do trono, pondo tropas nas fronteiras, à espera de que o Cardeal terminasse o seu arremedo de reinado, para entrar em Lisboa como rei. Os Bragança, cientes do poder militar de Filipe, e certos do desfecho daquela comédia, apressaram-se a assinar documento em que juravam lealdade e vassalagem ao rei de Espanha. Logo após isso, pediram ao rei que pagasse o resgate do seu filho mais novo, que fora à guerra, e estava cativo dos mouros. Essa bondade de Filipe para com eles, animou-os a oferecer o seu filho em casamento com a princesa sua filha, que foi apenas ignorado porque daquela amizade esperava-se muito. Estando em combate em Alcântara, morreu, em Lisboa, a rainha Dona Maria, mulher de Filipe II, filha de Dom João III. Os Bragança aproveitaram a ocasião para oferecer a mão de sua filha ao rei espanhol, que foi rejeitada com certa aspereza. Estas foram as primeiras investidas dos Bragança rumo ao objetivo de se tornarem reis. O Cardeal rei, sentindo aproximar-se a sua hora final, fez uma lista de pretendentes ao trono, nela incluindo a duquesa de Bragança, para quem vendeu o Brasil, cujo pagamento era a extinção da geração de Dom António. Assim, ficava-lhe assegurado o trono ao qual subiria depois do reinado de Filipe II, de Espanha.


Cremos que o rei Dom António morreu assassinado em França, onde viveu no reinado de Henrique IV de Navarra. A França fazia guerra aos protestantes e não tinha simpatia pelo filho do Duque Dom Luís, que era protestante morto em combate contra os católicos. Dom Henrique IV de Navarra deu-lhe assistência e proteção por ser seu parente e por ser protestante. Porém, o católico francês não gostava do seu rei nem de Dom António, o rei exilado. É sabido que Dom António recebia uma subvenção de Henrique IV e morava em um castelo em Paris, mas não tinha segurança, vivendo com os homens que lhe restara e uns poucos criados. Sofreu várias emboscadas e ataques dos espanhóis, dos quais escapou graças à fidelidade dos que com ele estavam e à sua perspicácia. Ausentando-se Henrique IV, para tratar de negócios do reino de França, a segurança de Dom António ficou mais vulnerável, pois a Liga Católica era ligada à Espanha e tinha muito poder em Paris.


Certa feita, a horas tardias, chegou ao castelo onde residia Dom António, um padre francês e um escravo negro, pedindo para passarem a noite. Sendo logo recebidos, foram acomodados e chamados à ceia. Depois da ceia, o padre disse que tinha um assunto particular a tratar com Dom António, que o fez entrar em uma sala onde havia uma grande lareira acesa. Um dos criados ficou à porta, um dos homens de Dom António sentou-se com eles à beira do fogo. O negro sentou-se no chão, perto do padre, com um saco ao lado. Conversaram sobre o reinado de Filipe e o reinado de Henrique de Navarra. O padre levantou-se indo para uma mesa e pediu licença para mostrar o que trouxera. Dom António aproximou-se e o padre sacou da espada para feri-lo. O criado correu para chamar os homens enquanto Dom António e o oficial que ali estava deram combate. O castelo foi invadido e houve uma escaramuça em que morreu o oficial. O escravo do padre correu a fechar a porta da sala e este feriu Dom António, mas não o matou. O escravo tirou do saco muitas imagens e as pôs sobre a mesa, invocando os demónios. Dom António foi puxado para a lareira e o padre, com a ajuda do escravo, meteu-o no fogo, queimando-lhe o corpo até à cintura. Estando ainda vivo, arrancou-lhe o coração e, pondo-o em um frasco, guardou-o em um embornal. Estando o trabalho concluído, o padre matou seu escravo por temer que ele falasse o que acabava de ver, e procurou por onde fugir. Logo que soube, Henrique IV mandou uma tropa em seu socorro, que matou uns e prendeu outros, entre eles, o padre. O restante da família foi posto em segurança. Pela manhã, toda Paris sabia que um padre fora preso por questões com um nobre português protestante, exilado em Paris. Todos os presos foram julgados e condenados por homicídio e regicídio.


Havia um homem francês, de nome François de Ravaillac, natural de Angulême, muito católico, professor e empregado doméstico. Liderava uma facção de católicos radicais, com os quais envolvia-se em todas as questões em defesa da fé católica. Não sabemos se ele fazia parte do grupo desse padre que matou Dom António, e fugiu a tempo de escapar, mas sabemos que tudo fez para salvar o padre. Falou com os jesuítas, mas foi tido por louco, tentou levar a questão ao papa, que dela não tomou conhecimento, pois havia um tratado em França pelo qual assegurava-se a liberdade religiosa. Por si mesmo Ravaillac não tinha poderes para coisa alguma, porém os que de longa data curtiam o seu ódio a Dom António e a Henrique IV, eram a força que o impulsionava a agir, na esperança de um rico prémio. Por dez anos atentaram contra o rei de França, e, por dezessete vezes foram frustras as tentativas, sem lograr o menor êxito. Então, viram em Ravaillac a pessoa que poderia levar a efeito os seus malignos planos com pleno sucesso. Em uma sexta feira, dia catorze de maio de 1610, Ravaillac roubou uma faca e seguindo instruções, pôs-se à espera de Henrique IV, O rei vinha pela rua Ferronerie, acompanhado do Duque de Epernon e dirige-se ao Arsenal, número 11, onde vivia o seu Ministro Sully, que se achava enfermo. Eram quatro horas da tarde quando a carruagem real entra na rua. Uma confusão se instalou e uma mistura de carruagens e gente tumultuava o caminho porque duas carroças cruzaram-se na estrada, impedindo o trânsito. A carruagem de Henrique IV parou e ele se inclinou indagando o que se passava. Ravaillac coseu-se à roda do carro e desferiu um golpe nas costas do rei, rasgando-lhe duas costelas, fazendo-o inclinar-se para trás. Ravaillac golpeou-o na jugular, matando-o. Tentou fugir do local, escondendo-se em um porão da rua Les Lombards, perto do local do crime. Na verdade, isso não pode ser visto como uma tentativa de fuga, mas para ali foi à espera do seu resgate, que não veio. Foi preso e levado ao Hôtel de Retz, indo, depois, para o Concierge para evitar o linchamento. A população estava irada porque Henrique IV trouxera a paz, pondo fim às guerras de religião, permitindo que a economia se desenvolvesse.


Seu julgamento durou dez dias. Diz-se que sua confissão em juízo foi tão louca que os juízes mandaram destruir o processo, ficando a confissão de que o rei queria depor o papa e mudar a sede do Vaticano, coisa que parece mais louca. Esta sim é uma confissão louca. Está visto que, sem a ajuda dos seus amigos católicos, que neste passo, eram mais que a facção liderada por Ravaillac, não seria tão fácil este regicídio. Comentava-se que os jesuítas apoiavam Ravaillac, e que, Maria de Médicis, a rainha, deu seu apoio, Henriqueta D´Estrangues, marquesa de Vermueil, e o Duque D Epernon, juntamente com os espanhóis, trabalharam nesta conjura. Os espanhóis queriam encobrir o assassinato de Dom António e pegar Navarra sem os gastos de guerra. Navarra estava ligada à França porque Henrique IV era seu rei e era herdeiro do trono de Navarra. Matando-o, a Espanha ficaria com Navarra, com alegações de parentesco, como fizera em Portugal. De outro modo, não havia porque se arriscar a entrar em questões com a França. No lugar onde tombou Henrique IV de Navarra, esculpiram o seu armorial.


Eis um trecho da sentença de Ravaillac;


“Foi dito que o tribunal declarou e declara que o dito Ravaillac devidamente atingido e condenado pelo crime de lesa majestade divina e humana, em primeiro grau, pelo muito cruel, abominável e detestável parricídio cometido na pessoa do rei Henrique IV, de muito boa e muito louvável memória. Para reparação do qual o condenou e condena a fazer penitência pública em frente da porta principal da igreja de Paris, onde será levado e conduzido em uma carroça, em camisa, segurando um brandão a arder com o peso de duas libras, dizer e declarar que infeliz e premeditadamente, cometeu o mui horrível e detestável parricídio e atingiu o rei com duas punhaladas no corpo, de que se arrepende, pede perdão a Deus, ao rei e à justiça. Daí conduzido à praça de Gréve, e sobre um cadafalso, que ali será erguido, lhe será aplicado o suplício das tenazes nos mamilos, braços, coxas, e interior das pernas, a mão direita segurando a faca com a qual cometeu o parricídio. Será queimada em fogo de enxofre e nos sítios em que for atenazado, chumbo fundido, óleo fervente, pez ardente, cera e enxofre fundido conjuntamente. Feito isso, seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos, os seus membros e seu corpo consumidos no fogo, reduzidos a cinza e lançados ao vento”.


Mas ele pode ter confessado tudo, pode ter falado a verdade, à espera de que os verdadeiros mandantes dos crimes por ele cometidos fossem chamados a juízo, possibilitando, ao menos, um castigo mais leve. Se fossem apenas loucuras as confissões feitas por ele, os juízes não sentiriam necessidade de rasgar e destruir o processo. Vendo que sobre si recaíra toda a culpa, e ninguém foi em seu socorro, viu-se perdido. Mantendo uma frieza durante todo o julgamento, perdeu-a mediante o suplício.


Dom Antônio, Rei de Portugal, foi assassinado em 26 de Agôsto de 1595, com 64 anos de idade. Diz o pe. José de Castro: “Desgôstos muito graves lhe tinham flagelado a vida, sendo o maior de todos o lembrar-se que deixava o reino de Portugal, tiranizado e submetido a Rei estrangeiro, sentindo morrer ao mesmo tempo as esperanças e a vida, por isso a morte lhe parecia mais cruel. Tinha empenhado tudo o que a sua honra lhe permitira fazer. E a morte seria coisa somenos para êle, se fechasse os olhos vitorioso, pois mais quisera libertar Portugal que possui-lo”. “O seu cadáver foi enterrar-se no convento de S. Francisco de Paris, e o seu coração foi depositado na igreja do mosteiro das religiosas da Ave-Maria, da Ordem de Santa Clara”. Entretanto, foi enterrado o que sobrou de seu cadáver, e também não era comum retirar-se o coração de um defunto.


Dom Henrique IV, Rei de França, foi assassinado quinze anos depois.

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