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  • Glaucy Lucas

O Congresso de Viena e o Espólio dos Esquecidos

Atualizado: 19 de jul. de 2021



Reuniram-se na Capital da Áustria os remanescentes das casas reais e os egressos da Revolução Francesa. Tentavam eles lidar com o estado de coisas que foi produto da revolução francesa, que transbordou para todos os países, fazendo emergir dali Napoleão Bonaparte. Este, que era chamado de “Pequeno Caporal”, ou pequena cabeça, ou ainda cabecilha, tornou-se o imperador Napoleão I. A linhagem principal da família real francesa se extinguiu ainda em vida de Luís XV, sendo confirmada sua extinção por suas próprias palavras quando disse: “Depois de mim, o dilúvio”. Napoleão não era um pobre qualquer, mas pertencia à pequena nobreza, natural da Córsega, que seguiu a carreira das armas. Pertencer à pequena nobreza significa estar ligado a uma casa condal, e ser da linhagem do segundogênito. Muitas famílias foram dizimadas, muitas casas reais deixaram de existir, ou delas ficaram um ou outro membro esbulhados dos seus bens e direitos. Porém, enquanto se reuniam em Viena para tratar da divisão entre os que restaram escapos da sanha revolucionária francesa, a guerra contra Napoleão ainda estava em curso, sendo ele vencido na batalha de Waterloo, em 18 de junho de 1815. Importante notar que o Tratado de Paris foi assinado a 30 de maio de 1814, reunindo-se o Congresso em setembro de 1814, prolongando-se até junho de 1815. A conclusão dos trabalhos do Congresso se deu nove dias antes da derrota final de Napoleão.


O objetivo daquele Congresso foi redesenhar a Europa, baseando-se na divisão dos bens e terras das vítimas da guerra. Trataram da divisão do espólio deixado por inúmeras famílias desaparecidas. Havia muitas terras e bens cujos donos foram extintos e os vencedores queriam a sua parte do espólio. Era uma partilha. Portanto, o novo desenho da Europa se fazia necessário porque as casas possuidoras de terras e bens estavam extintas e não havia rei em França para fazer retornar as terras à coroa. Havia um grande número de pessoas cujas casas e famílias foram extintas, que clamavam pelos seus bens, afetados por essa partilha. Mas esta pobre gente não tinha ninguém que advogasse a sua causa por lhes faltarem recursos. Para ter voz no Congresso era preciso ter um grosso cabedal. O pranto era muito grande e de todos os lados havia os que bradavam por alguém que os defendesse. Ninguém aguentava tanta tristeza, tanto pranto, tanta reclamação. Para desanuviar o ambiente, organizaram bailes onde toda essa gente pudesse descontrair e passar bastante tempo a dançar, beber e comer, deixando as mágoas de lado por algumas horas. Foram contratados músicos e compositores de valsas, dos quais o mais famoso foi Strauss. Aos bailes compareciam todos os que tinham uma causa, uma perda, uma dor, e assim eram afastados das reuniões em que se discutiam a divisão do espólio deles. Os que advogavam as causas deles iam aos salões de baile e ali conversavam sobre as defesas a fazerem e as pautas discutidas nas reuniões.


Todos compareceram, mas só uns poucos tinham voz no Congresso porque os que perderam seus bens e terras não foram considerados. Inconformados, uniram-se às casas que ainda tinham alguns bens, para defenderem-se do esbulho de que eram vítimas. Este foi o caso de Portugal cujo trono estava vazio hipoteticamente, pois Dom João VI era rei no Brasil, para onde fora com toda a sua família. Portugal estava no abandono e desprovido de tudo, e era mais um bem na lista da partilha. Retiraram-lhe seu assento como reino entre as nações salvas da destruição revolucionária, ali reunidas. Todo o espólio português já tinha sido dividido pelas nações em 1580, após a morte de Dom António, que foi seu último rei. E agora, no séc. XIX, Dom João VI deixou Portugal aos cuidados de Sir Sidney Smith por 14 anos. Para que Portugal fosse representado pelos ingleses, no Congresso, foi preciso unir Brasil a Portugal, porque assim os Bragança teriam como garantir os seus pretensos direitos sobre estes dois países. Por esta razão, o Brasil se tornou parte integrante do território português, fazendo um só país, separados apenas pelo mar Mediterrâneo. Caso esse acordo não fosse feito, Portugal entraria na lista do espólio a dividir.


Invocando os tratados entre Portugal e Inglaterra, desde o tratado de Windsor, assinado em 9 de maio de 1386, os ingleses tomaram a frente nas decisões sobre a vida da nação portuguesa. Pela mão dos ingleses, os Bragança subiram ao trono do combalido Portugal, e apertaram os laços com os ingleses, assinando mais uma dúzia de tratados, para nele permanecer. Todos os negócios de Portugal passavam pelo gabinete inglês e por ele emanavam as decisões. Assim, Portugal ia aos bailes enquanto o seu tutor falava no Congresso. A conselho dos ingleses, os Braganças despacharam-se para o Brasil sem objetar nada. Sob a mesma orientação, o Brasil tornou-se território inseparável de Portugal, passando a ser designado por Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.


O Tratado é baseado na política da restauração legitimista, e nas compensações financeiras e territoriais. Como já dito acima é uma partilha e não uma restauração das antigas divisas. O tratado executar-se-ia por meio da Santa Aliança, integrada por Rússia, Prússia e Áustria, cujos exércitos deviam intervir no caso de ameaça ao antigo regime. Neste conclave, foi levantada a questão do território que tomou o nome de América, pertencente à Espanha, onde os ingleses conquistaram muitos territórios na guerra Anglo-espanhola. Ficou assentado o direito dos povos que ali viviam, que se chamaram americanos, consolidado pela doutrina Monroe: "A América para os americanos".


Presidido pelo Príncipe Klemenz Wenzel Meternich, participaram do Congresso o Ministro de Negócios Estrangeiros; o barão Wessemberg, como deputado. Portugal foi representado por três Ministros sendo Dom Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmela, António de Saldanha da Gama, diplomata na Rússia; Dom Joaquim Lobo da Silveira, diplomata em Estocolmo. Pela Prússia foram o Príncipe Karl August Von Hardenberg; e o Chanceler Wilhelm von Humboldt. Inglaterra trocou de representante três vezes, sendo o primeiro o Secretário dos Negócios Estrangeiros, Visconde de Castlereagh; foi substituido por Arthur Wellesley, Duque de Wellington, que cedeu seu lugar ao Conde de Clancarty, porque saiu para a última batalha a Napoleão. O Csar Alexandre I representou a Rússia, mas usava da tribuna o seu Ministro dos Negócios Estrangeiros. O Imperador Alexandre I só usava da palavra para ler um trecho da bíblia ao início das sessões. Embora os quatro vencedores a quisessem excluir, a França se fez representar por seu Ministro dos Negócios estrangeiros, Charles-Maurice de Talleyrand Perigord, que mostrou seu talento de negociador, participando de todos os Conselhos desde as primeiras reuniões. Não houve nenhuma sessão plenária, mas os conselhos estudavam os casos e traziam seus relatórios ao conselho privado das cinco potências. Todos os demais frequentavam os bailes para ali obter informações e saberem que atitude tomar para alcançar o seu intento. A afluência aos bailes era grande e o Conde de Ligne cunhou a frase que ficou para a história: "O Congresso de Viena não anda, dança".


Das decisões ali tomadas ficou estabelecida a reconstrução da monarquia absoluta; a anexação de parte da Polônia, Finlândia e Bessarábia; Anexação dos Balcãs pela Áustria; Inglaterra anexou Malta, Ceilão e Colônia do Cabo, controlando as rotas marítimas; Império Otomano continuou a controlar os povos cristãos do Sudeste da Europa; União da Suécia e da Noruega; A Prússia ficou com parte da Saxônia, Westifália e Polônia, e as províncias do Reno. A Bélgica uniu-se aos Países Baixos. Foi criada a Confederação Alemã composta por 38 Estados, da qual participaram a Prússia e a Áustria. Restaurados os Estados Pontifícios. Portugal e Espanha nada ganharam. No caso português não houve restauração das antigas dinastias porque Dom António, da dinastia de Avis tinha morrido e seus filhos estavam casados na Casa de Orange. O artigo 105 da Ata do Congresso devolveu a Portugal o território de Olivença. Mas a Espanha nunca o devolveu e ninguém nunca se pronunciou sobre isso. Feita a paz na Europa, o Congresso concluiu seus trabalhos regulando o princípio da livre navegação do rio Reno e do Mouse; condenando o tráfico de escravos, limitando sua proibição ao norte da linha do Equador (neste caso, o Brasil só não podia ter escravos no extremo norte do país, não havendo necessidade de toda aquela celeuma do parlamento para votar leis que os libertasse); estabelecimento de medidas que permitissem aos judeus viverem sem serem hostilizados; e, criação do Estatuto das práticas diplomáticas entre os países. O pranto dos esbulhados e as perdas portuguesas passaram em branco.

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