top of page
  • Foto do escritorTenisoy

Dom Luís – Delícias de Portugal – Seu Governo

Não dando nós escândalo em coisa alguma, para que o nosso ministério não seja censurado. II Coríntios 6:3.

Quadro de Condeixa - Museu de Arte Contemporânea
Dom João II perante o cadáver de seu filho

Depois da conquista de Túnis, Dom Luís passou a ter tratamento de rei, dado por Carlos V, e aceito por Dom João III. Vê-se aí o forte domínio que Carlos V exercia sobre Dom João III, impondo-lhe uma partilha do poder - do seu reino - com seu irmão. Dom Luís não se recusou a aceitar o tratamento a ele dispensado, e dele usou legitimamente, em tempo oportuno. Porém, não o aceitou como dádiva de Carlos V, que já dominava o rei Dom João III, mas deve tê-lo exigido depois de longas conversas a respeito do rei seu irmão. Este não teve forças para refutar a decisão do rei de Castela sobre seus domínios. Como Dom Luís tivesse se recusado a ser armado cavaleiro pelo rei de Castela, prêmios em dinheiro, e quaisquer bens advindos daquela conquista, é possível que Carlos V, vendo o seu valor e sua lealdade, propôs ao Duque de Beja a condução ao trono, o que, de pronto, foi rejeitado. Dom Luís viu como uma traição que ele não cometeria contra o rei seu irmão. Caso semelhante havia acontecido com Afonso de Bolonha, que depôs o seu irmão Sancho com a ajuda dos bispos, e reinou em seu lugar. Dom Luís usou da sua força moral e agiu com prudência ao saber do modo pelo qual Dom João III chegara ao trono. Demonstrou que mesmo conhecendo os fatos que levaram seu irmão Dom João III ao trono, não tomaria atitude que pusesse em risco o reino. Tinha consciência de suas forças, convicção de sua fé protestante; e, sabia dos perigos a que o trono estava exposto. Subir ao trono do seu pai, pela mão do rei de Castela faria dele um traidor, destruindo a memória do rei Dom Manuel, e a si mesmo. Suas forças estariam nos braços de um rei estranho, e o trono estaria sob o domínio de Castela. Os males que o rei seu pai e todo o reino sofreram, ainda estavam vivos em sua memória. Por todas estas razões, Dom Luís negava-se a aceitar tudo que viesse de Carlos V. Este oferecimento tão inusitado, nunca visto, de um rei oferecer a um duque metade do reino que não lhe pertencia; sendo o ducado deste Duque, parte deste reino, deixou claro para Dom Luís, a extensão do domínio exercido sobre o rei seu irmão. Examinando a situação por todos os ângulos, vemos que, se Dom Luís tomasse qualquer posição duvidosa, despir-se-ia de sua autoridade de Duque para meter-se sob a autoridade de Carlos V, o que era inaceitável e de muito perigo para si. Por outro lado, viu uma porta aberta para o trono, que não poderia rejeitar a bem do reino. Não aceitou o que lhe era oferecido, mas aproveitou a boa disposição de Carlos V para com sua pessoa e usou-a na certeza de que não o teria como inimigo. Ignorando a situação esdrúxula que se criara, dispôs-se a trabalhar em favor do reino, sem atentar contra o rei, sem nada pedir para si, sem nada fazer às ocultas. Nem cadeira pediu para si. Dom João III sentava-se no trono e seu irmão Dom Luís ficava de pé ao seu lado direito. Ambos recebiam papéis para despachar à vista de todos os nobres ali presentes, sendo entregue a Dom Luís os papéis de negócios do reino. Os emissários e embaixadores eram recebidos por ambos; as reuniões eram presididas pelo rei, e Dom Luís delas participava opinando e decidindo. O rei disfarçava muito bem seu desagrado perante todos que o assistiam dizendo que era um rei feliz porque estava entre dois irmãos que por ele tudo faziam. Para coisas do reino, consultava a Dom Luís; nas questões espirituais, consultava o Cardeal Dom Henrique. A rainha Dona Catarina pensava como o rei e, como ele, via aquela quebra de autoridade com profundo desgosto. Porém, nem ela que, tão bem conhecia o irmão, sabia o que fazer. Ela temia o irmão e sentiu o seu poder sobre o rei, seu marido e todo o reino. Resignou-se e procurou acomodar-se à situação, temendo algo pior. Nenhum deles tinha força para se insurgir contra aquele golpe perpetrado por alguém que Dom João III julgava ter maniatado e posto sob seu domínio. O Cardeal Dom Henrique não tinha conselho a dar porque não via nenhuma saída. Não tinha poder político, nem financeiro, nem influência. Como Cardeal, poderia pedir ajuda à santa Sé, mas não o fez temendo que Carlos V tivesse confidenciado a Dom Luís as circunstâncias da morte do seu pai. Pode ser esta a origem da força e da indepenpência de Dom Luís, que, logo ao chegar, deu-lhes a conhecer sua ciência da verdade. Caso Dom Henrique recorresse à Roma, corria risco de suscitar a ira dos seus pares e até de perder seu chapéu cadinalício. Eram muitos os temores que guardava para si, e preferiu mante sua autoridade intacta perante o povo. Ele, também, vivia consternado com essa partição do poder e se unia ao irmão Dom João III, concordando com ele que se tratava de uma traição de Dom Luís. Juntos os três chegaram à conclusão de que o ponto fulcral do problema recaía sobre o Duque de Beja, que, uma vez eliminado, voltariam à sua paz e sossego. Estabelecido o ponto a ser eliminado, dedicaram-se à busca dos meios para concretizar os objetivos de afastar o Duque de Beja do reino. Como fosse ele irrepreensível em toda sua maneira de viver, de sólida reputação e credibilidade perante o povo e as nações que com ele tratavam, tornava-se difícil atentar contra sua pessoa sem alardear o povo e incitar revoltas. Começaram, então, por enviá-lo a várias partes do reino para conhecer dos problemas e lhes dar o remédio que convinha. Dom Luís não se negava a ir, animado do bom desejo de tudo fazer pelo bem do reino. Fez a primeira viagem para Castela para tratar das invasões às possessões portuguesas e dos atos de pirataria, que tornavam a navegação perigosa para os dois reinos. Viajou à França para mediar a paz entre Castela e Francisco I. Mas, não teve como sair da armadilha da eleição do Cardeal à cadeira de Sumo Pontífice. Dom João III esperava alferir algum lucro com essa eleição. Já para Carlos V tal vitória impulsionava os negócios porque o Cardial era o candidato melhor preparado e o mais afinado com seus aassuntos. Afinal, ainda estava no meio da guerra cristão contra católicos e os recursos portugueses viriam em seu auxílio em boa hora. Carlos V enviou a Dom Luís as cartas com os votos que dariam a vitória ao Cardeal Dom Henrique para a cadeira de príncipe da igreja católica. Ora, ele sabia que era Dom João III que tratava de assuntos relativos a Roma, e que, Dom Luís não se interessava por este assunto, a menos que pudesse haver nele algum prejuízo para o reino.


Sem usar de subterfúgios, sem abdicar de sua autoridade real, Dom Luís esclareceu sua posição contrária à eleição do Cardeal Dom Henrique para a cadeira papal e não enviou as cartas ao conclave a tempo; e o Cardeal Dom Henrique perdeu a eleição que o tornaria o primeiro e único papa português. Este incidente já era esperado, mas foi considerado como uma traição aos reis de Portugal e Castela. Dom Luís usou da sua autoridade de rei e do seu poder discricionário para vetar uma escolha que julgou perniciosa ao reino. Ele governava o reino como seu legítimo rei; só não ostentava a coroa real nem se sentava no trono. Os reis estavam cientes da sua discordância e tentaram contornar sua autoridade e dobrá-lo, sem êxito. Ninguém esperava que ele tivesse coragem para contrariar a vontade de dois reis, e suportar o ônus da decisão apenas com sua autoridade real. Nada podiam fazer porque Dom Luís reinava e era amado do seu povo. Dom Luís tinha consciência da fraqueza dos seus irmãos, e viu a jogada de Carlos V para impor-se ao reino, pacificamente, pela via da santa Sé. Por seu turno, Carlos V sentiu a força e a independência de Dom Luís, mas não viu o caso como derrota porque elegeu o papa de Espanha, segundo sua conveniência e necessidade. O rei de Espanha achou em Dom Luís um adversário de respeito e de muito peso, a ser eliminado. Sua dignidade, sua honra e sua capacidade para reinar não foram adquiridas em Túnis, mas já as trazia impressas na alma.


Dom João III temia muito a perda do trono por falta de herdeiros, mas odiava a ideia de passá-lo a Dom Luís. Este temor era compartilhado pela rainha Dona Catarina e o Cardeal Dom Henrique, chegando à conclusão que a medida certa a tomar era impedir que Dom Luís tivesse geração. Com essa demonstração de força como rei, urgia começar a segunda etapa do plano, que consistia em arranjar um casamento que obrigasse Dom Luís a deixar o reino. Carlos V tinha tratado bodas de Dom Luís com Christerna, filha de Christerno II, rei da Dinamarca, e de Isabel, que fora duquesa de Milão, o que o tornaria duque de Milão. Mas, o casamento não se realizou e ela casou com outro indicado pelo mesmo rei. Depois disso, esteve noivo de Maria de Inglaterra, filha de Henrique VIII, mas, ela casou com Filipe II, filho de Carlos V. Ficou noivo de Edwiges da Polónia, mas não casou. Seria Grão Duque da Lituânia e não se concretizou. Também, foi noivo da filha do rei da Armênia, mas também com esta não casou. Todos estes matrimónios foram rejeitados pelo Duque de Beja, pois entendeu que o plano consistia em alijá-lo do reino por aceitar um título fora dele. Caso aceitasse qualquer destes títulos fora do reino, não mais estaria ligado à casa real portuguesa e seu nome se apagaria em Portugal para sempre. Mas, a morte não poupava os filhos do rei que, então, corria perigo de vir a lhe faltar herdeiros. Os nobres e grandes entenderam que Dom Luís devia desposar sua sobrinha Dona Maria Manuela e suscitar herdeiros para o trono, evitando as guerras de sucessão. Mas, a saúde do Príncipe João Manuel teve melhoras e ele casou com Dona Joana, filha de Carlos V. Sua sobrinha Dona Maria Manuela casou em 1543, com Filipe II, que tinha se divorciado de Dona Maria I, rainha de Inglaterra, ao argumento de que ela era estéril. A perspicácia e visão que tinha dos planos engendrados contra ele, deram-lhe o escape dessas armadilhas, e não se dobrou à vontade dos que tinha por traidores e inimigos do reino de Portugal. Desejava ele uma esposa que não estivesse ligada a nenhuma dessas coisas, para que não fosse um trunfo nas mãos dos dois reis, vindo a participar das conjuras contra o reino de Portugal. O fator impediente destes casamentos foi a própria vontade de Dom Luís, que não pôde ser quebrantada nem por Carlos V.


Ninguém estranhava as andanças de Dom Luís por todo o reino, sendo recebido com muita alegria por onde passava. No ano de 1546, Dom Luís dispô-se a fazer uma peregrinação a Santiago de Compostela, o que pareceu ao rei boa coisa a fazer. Mas, seu intento era outro. Sabedor de que o rei tinha em mente dominar sua geração, ou impedir que tivesse geração dentro do reino de Portugal, armou um estratagema para casar às ocultas e revelar sua união em tempo que lhe fosse favorável. Havia já algum tempo que o Duque de Beja cortejava Violante Gomes cujas origens, concluímos que seja de Gil Eanes, o navegador que era alcaide de Lagos, estando sua casa ligada ao Conde Dom Henrique, o Navegador. É certo que esta Violante Gomes não morava em Lisboa, e também, seus pais não frequentavam a corte desde à coroação de Dom Manuel, porque pesava sobre eles a acusação de traírem o rei. Após exaustivas pesquisas, concluimos que Violante Gomes descende da família de Reymão Vasqueanes, Duque da Aquitânia, Conde de Toulouse e de Rouerge, senhor de Bascos. Estes Bascos eram todos da família Vasco, que dominavam o que hoje é o território Basco. Os Bascos procedem do tronco de Reymão Vasco ou Basco. Este Reymão Vasqueanes veio com Dom Henrique a Portugal e com ele fez guerras. Em 1154, Vasco Eanes estava com Dom Afonso Henriques na conquista de Lisboa. No dia 4 de dezembro de 1154, seu filho Gonçalo Eanes Vaz, foi ao Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra para contar o ouro do rei, conforme registro do Livro das Homilias de Santo Agostinho. Em 1248-1279, Esteveanes Vaz era chanceler de Dom Afonso II. No reinado de Dom Sancho II, em 1231, foi passada carta de foral a Pedreanes Vaz, Comendador de Pombal. Em 1384, Vasco Anes prestou menagem a Dom João I, como alcaide mor de Tavira; era fronteiro mor do Algarve e alcaide mor de Silves. Em 1415, foi à guerra na tomada de Ceuta com Dom João I. Seu filho Gil Eanes Vaz estava ao lado do Infante Dom Duarte e foi armado cavaleiro em 5 de janeiro de 1429, em Ceuta. Gil Eanes Vaz casou com Dona Filipa e teve uma filha que se chamou Violante. Seu filho primogênito Vasco Anes foi cavaleiro de Dom Afonso V, e também seu armador mor. Este Gil Eanes Vaz, membro da Escola de Sagres, alcaide de Lagos, teve um filho, nascido em Lagos, que se chamou Gil Vaz Eanes, o nome do seu pai; que foi alcaide depois dele; e foi com Dom Henrique, o Navegador, nas viagens de descobertas. Sua primeira filha chamou-se Violante Anes Vaz e casou na casa de Dom Jorge, o Duque de Coimbra, filho legitimado de Dom João II, com geração da qual falaremos apenas de Brites Anes, que é a pessoa a dar seguimento à nossa história. Esta Brites Anes, possivelmente, nasceu em Lagos, onde o pai era alcaide. Era muito conhecida da casa real, e não vivia distante, avistando Dom João II amiúde, pois o rei comandava todas as operações e, com toda a Escola de Sagres, fazia os planos das navegações. Enamoraram-se quando Dom João II desquitou-se da rainha Dona Leonor, e passou a estar sempre em companhia de Brites Anes, com quem casou e viveu. Desta união, nasceu uma filha que também se chamou Brites Anes. Esta última casou com um seu primo de nome Pedro Gomes, que são pais de Violante Gomes. Nenhum membro desta família comparecia à corte e nem mesmo ia à Lisboa senão ocultamente, por temer às perseguições, começadas com a morte de Dom João II, prosseguindo por todo o reinado de Dom João III, passando ao reinado do Cardeal e findando com a morte de Dom António. Esta perseguição foi iniciada por Dona Leonor, a rainha viúva, irmã de Dom Manuel, e se estendeu a várias famílias, sendo uma delas a família de Gil Eanes.


Dom Luís, com toda a família de Violante, combinaram as bodas em segredo, e juntos, partiram para uma peregrinação a Santiago de Compostela. Dirigiram-se todos ao Mosteiro de São Salvador de Castro de Avelãs, em Bragança, ligado à comunidade cisterciense, que fica na rota de Santiago de Compostela, e ali ficaram hospedados. O bispo, que então, presidia a casa recebeu toda a sua comitiva, hospedando-os até o dia em que uniu Dom Luís e Violante Gomes pelos laços do matrimônio. A cerimônia foi realizada à meia noite, e pela manhã, partiram para Torre de Moncorvo, onde já estava preparada a festa que durou alguns dias. Houve recitativo de poemas de que participou Dom Luís como poeta e escritor que era; houve cânticos e danças com muita alegria de que o povo participou com regozijo de ver as bodas de um tão grande príncipe em sua cidade. O casal voltou à Lisboa onde Violante Gomes foi apresentada como esposa, vivendo à vista de toda a corte como marido e mulher. Dom Luís ia com Violante Gomes à corte e passava os verões em Sintra, no mesmo palácio onde o rei Dom João III ficava com toda a família. A rainha Dona Catarina recebia Violante Gomes com as honras de esposa de Dom Luís e dava-lhe o tratamento de acordo com sua dignidade. Desta união nasceu um filho que se chamou Dom António.

21 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 Comment


bottom of page