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  • Glaucy Lucas

Dom João III - A Família

Atualizado: 25 de nov. de 2019

"... Quem são minha mãe e meus irmãos? Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a executam ...". Lucas 8:24.

Sala de Armas - Palácio de Sintra

Como já deixamos dito algures, o rei Dom Manuel mandou fazer, no Palácio de Sintra, a chamada “Sala de Armas” na qual registrou sua geração. O florão da dita Sala de Armas são as armas do rei Dom Manuel, rodeado pelos brasões de seus oito filhos. Abaixo destes estão os setenta e dois brasões das famílias mais nobres de Portugal, o escol da grande nação portuguesa. Ali na Sala de Armas ficou gravada de forma indelével e inconfundível a descendência legítima do rei Dom Manuel. Ainda que muito atentassem contra a verdade e, de modo insidioso, quisessem destruir a memória das origens, fracassaram nos seus intentos porque nas paredes do Palácio de Sintra estão gravadas provas muito firmes para resistir às ações deletérias, dolosamente praticadas pelos usurpadores. A intenção de vituperar os grandes nomes daquela geração teve início e ganhou corpo e liberdade para agir por meio de um dentre os filhos daquele rei, de quem fora retirado o direito de primogenitura. Tal como Esaú, virou o rosto para a família, adotando como sua, a família dos inimigos do reino.


Em vida do rei Dom Manuel, Dom João III não demonstrava animosidade para com nenhum dos irmãos. Até mesmo para com Dom Luís, o irmão que seria rei em seu lugar, não demonstrava nada do que sentia, mas trazia-o sob vigilância. Não era amigo de Dona Isabel, nem de Dona Beatriz, que casou em 8 de abril de 1521, aos dezessete anos, e não teve com ele muita convivência. Dona Isabel seria a esposa de Dom Jorge, para cumprir o disposto no testamento de Dom João II. Porém, sua mãe, Dona Maria, disse que não aceitava que sua filha casasse com um bastardo. Ela só se casaria com um rei, ou príncipe, filho legítimo de rei. Dona Isabel era a mulher mais bela do seu tempo, era muito culta e, junto com seu irmão Dom Luís, ajudava o rei seu pai na governação. O rei Dom Manuel dotou sua filha predileta de casa, dando-lhe algumas funções governativas que ela desempenhou muito bem. Isso desagradava seu irmão Dom João III em extremo. Dom Manuel, fugindo à vontade testamentária de Dom João II, iniciou as negociações para o casamento de Dona Isabel com Carlos V, mas morreu antes de as concluir. Dom João III, que não queria a irmã a competir nas funções régias, deu andamento à vontade paterna. Dona Isabel casou no dia 1 de novembro de 1525 e foi ao encontro do marido em janeiro de 1526. Ficou em Granada à espera do marido até o mês de março do mesmo ano. Foi para Sevilha onde foi recebida como esposa com toda a pompa, nos paços de Reales Alcázeres. Assumiu a regência nos períodos de 1527 a 1529, 1529 a 1532, e depois de 1535 a 1539. Estava ela em Toledo quando adoeceu do parto de seu último filho. A criança morrera três dias antes do parto e veio ao mundo no dia 21 de abril de 1539, sofrendo a rainha hemorragia e febre que duraram oito dias. Sentiu-se melhor no dia 29 de abril, mas no dia 30 viu-se desenganada da vida e pediu a extrema unção, morrendo no dia 1 de maio, longe do marido, que estava separado dela e se deixou ficar em Granada.


A rainha Dona Isabel com seu irmão Dom Luís tornaram-se protestantes e receberam uma bíblia autografada por Lutero.

A separação de Carlos V e Dona Isabel se deu por causa do fervor católico que levava o rei a fazer guerra contra os protestantes e judeus para os submeter. Estava ele acampado em certo lugar para sair à guerra de madrugada quando recebeu a inesperada visita do seu filho Filipe. Assustado, Carlos V recebeu-o e se informou das novas que trazia. A rainha Dona Isabel estava em companhia de seu irmão Dom Luís e com ele recebeu a comitiva enviada pelos príncipes alemães, membros da Liga Esmalcalda. Esta comitiva ia tratar de um acordo que confirmasse a paz assinada em Ratisbona, a 15 de maio de 1532. A Paz de Nuremberg foi assinada porque a Áustria fora invadida pelos turcos e Carlos V não tinha dinheiro nem exército para expulsá-los. Esta invasão se deu porque Francisco I de França, irmão de Carlos V, tinha se aliado aos turcos para fazer guerra contra a Itália. Por esta paz, Carlos V se comprometia a não condenar ninguém por suas crenças religiosas até que se fizesse um concílio. Lutero concitou os protestantes a se unirem a Carlos V na expulsão aos turcos porque tinha lhes pregado o evangelho sem obter nenhuma conversão: o resultado colhido foi um espírito mais aguerrido e mortal. Assim, uniram-se todos pela expulsão do inimigo comum. Carlos V reuniu um exército, angariou os recursos de que necessitava e expulsou os invasores. Estando ainda em vigor o Tratado, foi enviada a Castela uma comissão para que fizessem um acordo pelo qual os protestantes alcançassem a liberdade de exercer sua fé, e Carlos V seria aceito como rei, cessando todas as hostilidades. Foram recebidos pela rainha Dona Isabel que quis conhecer toda a doutrina de Lutero, e mais se animou a ouvir ao saber que Dona Leonor, esposa de Francisco I de França, que fora sua madrasta, se convertera. Depois de ouvir deles tudo que pregavam sobre a salvação pela graça mediante a fé, as 95 teses, e demais coisas que motivavam a guerra, convenceu-se de que estavam certos. A rainha Dona Isabel com seu irmão Dom Luís tornaram-se protestantes e receberam uma bíblia autografada por Lutero. Filipe, seu filho, que a tudo assistia, saiu discretamente e foi ao encontro do pai a dar conta de tudo o que vira e ouvira. Carlos V se irou de tal forma que não esperou pela hora prevista para a partida, e deu aviso às tropas que se aprontassem para sair. Urgia debelar aquele mal do protestantismo que penetrara em seu palácio e ameaçava alcançar os corações mais insuspeitos. Nada o demoveu da decisão de partir e, a gritar ordens, subiu no cavalo, saindo a cavalgar cego pelo ódio. Como ainda estivesse escuro, não viu um galho de árvore que se estendia para a estrada e nele bateu com a cabeça, passando o cavalo adiante. Carlos V foi ao chão desacordado com o forte impacto, sendo logo socorrido. Recobrou os sentidos pela manhã, com o orgulho bastante maltratado da queda, a cabeça ferida, uma perna e duas costelas partidas. Seus oficiais providenciaram seu regresso à casa para se tratar. Dona Isabel esteve ao seu lado até que recobrou os sentidos por completo. Vendo-a à beira do leito, exprobou-a duramente, acusando-a de traição, ordenando que não mais comparecesse à sua presença. Deu ordens ao padre para que a vigiasse e não permitisse que ela transpusesse os limites impostos por ele para a ala onde se encontrava. Dias depois, sentindo-se melhor, trasladou-se para Granada, recusando-se a viver na mesma casa, e nunca mais a viu. Depois de algum tempo da morte de Dona Isabel, Carlos V mandou que levassem o esquife até ele para a sepultar. Mandou que abrissem o caixão, e todos viram que seu cadáver estava em adiantado estado de decomposição, tanto tempo jazia insepulto.


Dom Fernando, Duque da Guarda, senhor de Trancoso, aproximou-se de Dom João III na questão de Dona Guiomar Coutinho, rica herdeira, filha única de Francisco Coutinho, Conde de Marialva e Loulé. O Duque de Bragança intentou casá-la com Dom João de Lancastre, filho de Dom Jorge, mas o rei não o permitiu, atento ao poder que a casa de Bragança ganharia com este enlace. Esquivando-se da vigilância severa do rei, Dom João de Lancastre casou secretamente com Dona Guiomar, e saiu de Lisboa, retornando algum tempo depois. O Conde de Marialva soube do casamento secreto de sua filha no dia marcado para as bodas de Dom Fernando, o irmão do rei, e Dona Guiomar. O Conde era já velho e foi a Dom João III pedir justiça pela ofensa que lhe fizera Dom João de Lancastre, exigindo uma reparação. O rei, furioso, mandou prender Dom João de Lancastre no Castelo de São Jorge, e lá ficou por nove anos. Desterrou também seu pai Dom Jorge de Lancastre até que a questão fosse examinada por teólogos e canonistas para tornar inválida aquela união. Decorrido este tempo, Dona Guiomar foi chamada e interrogada pelo rei, que lhe respondeu em lágrimas, nunca ter casado. O rei, satisfeito com a resposta, fez o casamento do seu irmão em 1530. Tiveram dois filhos que morreram crianças. Dom Jorge retornou ao reino e seu filho João de Lancastre foi solto, indo-se para Setúbal. Casou com Dona Juliana de Lara e Menezes, em 22 de fevereiro de 1547. Teve dois filhos: Dom Jorge de Lancastre, que morreu em Alcácer Kibir; e Pedro Dinis de Lancastre, que foi senhor da Capitania de Porto Seguro.


Dom Afonso foi um dos filhos orientados a seguir a vida religiosa. Seu pai, o rei Dom Manuel, tentou fazê-lo cardeal, mas o papa não o concedeu por ser muito jovem. Mais tarde, reinando seu irmão Dom João III, alcançou ele o chapéu cardinalício e trabalhou como censor do santo ofício, e depois inquisidor. Teve com o rei seu irmão muita afinidade, sendo seu amigo, mantendo-se sempre ao seu lado. Dirigiu a cerimônia de coroação, batizou seus filhos, e participou de toda a vida do rei. Tornou-se cardeal de Santa Lúcia, e depois Cardeal de São João e São Paulo. Mais tarde, discordando do tratamento dado ao irmão Dom Luís, afastou-se do rei. Morreu em Lisboa, a 21 de abril de 1540, aos 30 anos.


Dom Luís então foi levar as cartas à Roma antes que ocorresse o segundo pleito, lá chegando a tempo da votação, mas não foi ao conclave entregar as cartas aos seus destinatários, só o fazendo três dias depois das eleições

O rei era amigo e confidente de Dom Henrique, o cardeal, que foi inquisidor geral e depois foi rei. Tornou-se cardeal aos 14 anos e nunca esteve em Roma. Em 1546 recebeu o título cardinalício dos Santos Quatro Mártires Coroados, criado no ano 600. Participou ativamente do governo opinando, aconselhando e confortando na dor dos lutos frequentes. Dom Henrique assistia ao rei como amigo, irmão, e como sacerdote a dar apoio espiritual e emocional, especialmente quando morreu seu filho, o príncipe Dom João. Nesta oportunidade, o rei disse ao cardeal que não permitisse jamais que o filho do Duque de Beja, seu irmão, subisse ao trono na falta de um herdeiro. A rainha era do mesmo parecer e em tudo concordou com Dom João III, assinando com ele disposições que habilitavam o cardeal a assomar o trono caso não houvesse herdeiros. Dom Luís, Duque de Beja, era o secundogênito do rei Dom Manuel, assim considerado por que os costumes do reino de Portugal seguiam a lei sálica, que impede às mulheres ascensão ao trono. A preferência ao varão se explica com o fato de a mulher, ao casar, gera filhos para o rei seu marido, e não para a casa paterna de onde saiu, para a qual não mais tornará. A mulher constrói a casa, mas o seu marido dá-lhe o nome, sendo o homem a perpetuá-la. A lei sálica concorda com os textos bíblicos que esclarecem que a mulher dá filhos ao marido, dá herdeiros ao marido, e trata da sucessão da casa a que passou a pertencer. A mulher se torna chefe da casa, e só assume o governo na falta de varão, para preservar o nome de seu pai, estando o nome paterno em risco de extinção. Moisés, o primeiro legislador, tratou da questão quando lhe foi trazido o problema de Zelofeade, que teve quatro filhas e morreu. Sendo repartida a herança, elas trouxeram a questão a Moisés, pois tinham direito ao quinhão de seu pai. Mas, casando elas, o nome e a herança paternos desapareceriam. Consultando a Deus, Moisés instituiu a varonia feminina na ausência de filho varão. Para suscitar um filho varão à casa paterna, Moisés mandou que as filhas de Zelofeade casassem com seus primos primeiros e o primeiro filho varão se chamasse pelo nome do pai delas. Assim, o nome e a herança de Zelofeade foram preservados. Dom Luís era o quarto filho do rei Dom Manuel, vindo depois de suas irmãs Dona Isabel e Dona Beatriz, mas era o segundo na sucessão ao trono pela lei sálica. Não ficando a Dom João III nenhum filho, o seu irmão Dom Luís havia de subir ao trono. Porém nasceu o ódio a Dom Luís em Dom João III quando Dom Manuel lhe tentou tirar a primogenitura, e intensificou-se quando o papa morreu e o Cardeal Infante se candidatou à cadeira do Vaticano. Na primeira votação, faltaram ao Cardeal Dom Henrique dois votos para que fosse o primeiro papa português. Dom João III pediu então a Carlos V apoio para que o Cardeal Dom Henrique alcançasse a vitória, no que foi atendido. Dom Luís estava em Castela, e Carlos V deu-lhe a incumbência de levar a Roma cartas de apoio ao Cardeal Dom Henrique para favorecer sua subida ao trono de São Pedro. Carlos V achava que Dom Henrique seria um forte aliado para seus planos inquisitoriais e imperiais, com os quais Dom Luís não concordava. Tudo se resumia ao extermínio dos protestantes e judeus cujos bens e terras passavam à coroa, como já sucedera com a Borgonha e diversas cidades das terras de Espanha cujos bens e terras passaram a pertencer a Carlos V. Dom Luís então foi levar as cartas à Roma antes que ocorresse o segundo pleito, lá chegando a tempo da votação, mas não foi ao conclave entregar as cartas aos seus destinatários, só o fazendo três dias depois das eleições. O rei e o Cardeal concluíram que as opiniões irreconciliáveis os colocavam em campos opostos ao Duque de Beja, e suas almas foram tomadas de tão grande amargura, alimentando um terrível ódio contra o irmão. Este ódio não teve limites e destruiu suas próprias vidas e o reino de Portugal.


Duarte também estava no círculo de amizades do rei, pois era casado com Isabel, filha de Jaime, duque de Bragança, e tornou-se duque de Guimarães. Maria, filha de Leonor, a madrasta, era a irmã protegida que teve oito propostas de casamento, mas nunca casou. Não havia candidato à altura no reino, e fora dele o rei não lhe permitiu casar para impedir a evasão da grande fortuna que possuía. Dizem que teve um romance com Carlos de Guise, Cardeal de Lorena, irmão do Duque de Guise; primo de Francisco II de França com quem foi criado; irmão de Maria, mulher do rei Jaime da Escócia. Desde que esteve em Lisboa, enamorou-se dela no que foi correspondido. Visitou-a várias vezes em seu palácio e recebeu dela um colar de ouro, rubis e pérolas. A sexta Duquesa de Viseu vivia em Lisboa onde morreu em 10 de outubro de 1577 e seus bens passaram a integrar os bens da coroa.


Dom João III não nutria nenhuma simpatia por Dom Jorge de Lancastre, filho de Dom João II, nem pelos filhos dele. A rainha Dona Leonor alimentava o ódio entre eles, alertando de um possível perigo que dele pudesse advir. Ela não se esquecia de que Dom João II desejara pô-lo no trono, preterindo seu irmão Dom Manuel, a quem tinha prometido a sucessão quando da morte de Dom Diogo, Duque de Viseu. Ana de Mendonça, a mãe de Dom Jorge de Lancastre, era filha de Dom Pedro, o filho do Duque de Coimbra, o Regente, e de Isabel, Condessa de Urgel, da casa real de Aragão. Este Dom Pedro foi Conde de Barcelona, rei de Aragão e de Valência. Veio ela na comitiva de Dona Joana, a Excelente Senhora, quando do casamento desta com Dom Afonso V. Aos onze anos, Dom Jorge tornou-se Mestre de Santiago e administrador da Ordem de Avis. Em 25 de maio de 1500, Dom Manuel o fez Duque de Coimbra, cumprindo os desejos do seu primo e cunhado Dom João II, e ele passou a ser chamado Duque-Mestre. Dom João II pusera em testamento sua vontade de que este seu filho casasse com a primeira filha que nascesse a Dom Manuel, mas isto não foi cumprido porque esta união traria Dom Jorge para perto da sucessão. Dom Manuel casou-o com Brites de Vilhena, filha de dom Jaime, duque de Bragança e Leonor de Gusmão, filha do Duque de Medina Sidônia. Neste casamento opinou a rainha Dona Leonor, velha amiga e defensora, para acabar com qualquer veleidade a respeito do trono. Quando da revolta de Dom João III contra o rei seu pai, o Duque de Coimbra mandava para o Crato todas as informações e dava ajuda para frustrar os planos dos revoltosos. No meio da confusão da revolta, as manobras de Dom Jorge passaram despercebidas a Dom João III, e os de Castela nada perceberam por estarem ocupados em fazer chegar em segurança, a Carlos V, os bens encontrados em Lisboa.


Estes são os irmãos do rei Dom João III e suas famílias; a amizade e influência de cada um no reino. Aí estão também os parentes mais próximos e suas ações. O Cardeal Dom Henrique e Dom Luís, Duque de Beja são os irmãos que mais exerceram influência, com participação ativa no reinado. Sobre eles falaremos no próximo post.

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