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  • Glaucy Lucas

Dom João II - Linhagem preservada pelo amor de Deus

Atualizado: 12 de jul. de 2021

"...Pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade para mim te atraí...". Jeremias 31:3

Quadro de Condeixa - Museu de Arte Contemporânea
Dom João II perante o cadáver de seu filho

A morte do Duque de Viseu e dos duques que chefiavam as revoltas, encerra um período de rebeliões contra o rei, mas não extingue os perigos. As famílias nada sofreram porque a justiça recaiu apenas sobre os chefes implicados nas traições. Estas famílias feridas pela morte dos seus chefes não deixaram que se apagasse a chama acesa ao redor do trono. A forte vara da casa de Viseu, que deveria continuar a estirpe, creu na possibilidade de reinar como amigo dos seus inimigos. Trouxe para junto de si os mesmos cuja alma foi regada e alimentada com as mágoas contra Dom João II. A profunda amizade entre D. Diogo e o duque de Bragança levaram D. Manoel a concluir que estava entre amigos de confiança. O lenho daí procedente, que desde cedo mostrara sua inaptidão, eleito para ter nas mãos o cetro, jogou mais achas ao fogo que ardeu à volta do trono até de todo o consumir, como veremos adiante. Os duques não se deram por satisfeitos ao ver no trono o irmão do duque de Viseu, correligionário e fiel amigo, o suposto desejado para lá estar. Castela prestou auxílio eficaz aos duques para usá-los na consecução do velho plano de anexar Portugal. A insatisfação da casa de Bragança residia no fato de que D. Manoel provinha da Casa de Viseu, inaugurada pelo irmão de D. Afonso V, D. Fernando, que era casado com sua prima Dona Beatriz. O objetivo não confessado da casa de Bragança era o de por no trono alguém de sua estirpe. Este segredo só foi compartilhado com Isabel de Castela que os ajudou com o intento de os destruir e usar as armas deles para suas conquistas, como já o fizera com muito sucesso. Soube bem cantar sua canção de sibila e os embalar na sua falsa aliança, usando-os para destruir a casa real portuguesa e se fortalecer. Conduziu-os, com sua canção de Circe, para o rochedo do engano onde seus planos acabariam na própria perda e humilhação, até o ano de 1580. Sem desanimar e sempre fiel ao seu amigo e aliado, os duques voltaram à luta para alcançar o trono.


Apesar de tantos inimigos criados na ascensão de seu avô D. João I, e fortalecidos em sua casa pelos seus favores, D. Afonso V foi mais forte e não deixou que os falsos amigos o destruíssem. Soube bem educar, instruir e fortalecer a vara procedente dos seus lombos, que obrou como nenhum outro rei em meio a tantos inimigos. Ao sair para a guerra contra Castela tinha em mira se vingar da desonra feita à casa de seu pai pela afronta à sua irmã, evitar o esbulho à sobrinha, e efetuar uma conquista que era colher um fruto maduro, porquanto a desordem na casa de Castela era tamanha que o trono estava em risco de se perder. Tal conquista não se efetivou porque os planos foram minados pela casa de Bragança, que deles tinha conhecimentos plenos. Suas loucuras insanas motivaram todo tipo de tropeço, vergonha, e perda. Dom João II soube neutralizar suas ações ruinosas e rumar para os objetivos de grandeza do reino. A vitória era certa se o mesmo exército que combatia ao lado do seu pai não combatesse com mais ardor por Castela. As cartas do duque de Bragança para Castela informavam desde o que havia na mesa do rei até os mais altos planos das navegações. Isabel de Castela usou muito bem as informações dos duques para requerer a parte que não lhe cabia nos descobrimentos. O Duque de Viseu, irmão da rainha, era a chave que dava acesso à casa do rei, e passava aos duques todas as informações, desde o humor do rei até os mais secretos planos. De posse dos planos de expansão marítima, passavam-nos aos de Castela, seus verdadeiros amigos, sem duvidar daquela amizade. Pela estrada aberta pelos duques, Castela pugnou pelo direito ao oceano e às descobertas nas costas africanas. Lembremo-nos que o Tratado das Alcáçovas foi feito sob os auspícios de D. Brites, tia de Isabel de Castela, gestora da Ordem de São Tiago, administradora da Ordem de Cristo, amiga do Papa, sogra de D. João II e de Fernando, o duque de Bragança. Feito à revelia das vontades do rei D. Afonso V e seu filho, o Tratado padecia do vício da legitimidade de D. Beatriz para tratar de tal assunto. Como tia de Isabel, era suspeita porque era parente de ambas as partes e não fora comissionada por nenhuma delas, mas a força do papa e dos títulos granjeados ao longo do tempo a tudo legitimava. A poderosa D. Brites, de posse das informações sigilosas, trazidas por D. Diogo, seu filho, ao seu alvedrio, mandou caravelas ao Ocidente, descobrindo as Antilhas antes de Colombo. Estas eram as forças que lutavam contra D. João II. No Tratado das Alcáçovas foram discutidos direitos a terras que Castela não sabia que existiam, agindo às escuras, com o pouco conhecimento que delas teve por intermédio dos duques de Viseu e Bragança. Ficam reconhecidos os direitos de Portugal à Madeira, aos Açores, Ilha das Flores, Cabo Verde, Guiné e Costa da Mina. À Castela couberam as Ilhas Canárias, renunciando à navegação ao Sul do Cabo Bojador, no Paralelo 27. Sobre as Canárias, já o rei D. Duarte havia requerido ao papa Eugênio VI, os seus direitos de posse, em 1436. O Tratado regulou também as entradas dos reis de Portugal, Aragão e Castela no reino de Fez, no Norte da África. Em 4 de setembro de 1479, foi ratificado o Tratado de Alcáçovas Toledo, também chamado de Paz de Alcáçovas, no qual está inserido as Terçarias de Moura. Está muito bem esclarecido que Aragão e Castela contabilizaram lucros sem nada despender, e obtinham sucesso devido ao trabalho dos duques de Portugal, que eram cada vez mais audazes. Ciente desta tão poderosa conjura, o rei de Portugal fez constar no Tratado a posse de terras ainda não descobertas, surgindo, pela primeira vez, o princípio do mare clausum - mar fechado - que dava direito de posse e navegação ao descobridor de terras e mares. Assinaram o Tratado Isabel de Castela, Fernando de Aragão, D. Afonso V de Portugal, e D. João, príncipe de Portugal.


Andava na corte de D. Afonso V um astrólogo, astrônomo, de nome Filippo Palastrelli, juntamente com sua mulher Catarina Visconti. Natural da cidade de Placência, da linhagem da casa de Milão, na Lombardia, Fillipo Palastrelli veio para Portugal com seu irmão Raphael Richarte Palestrelli, que foi prior de Santa Marinha. Fugiam das guerras entre guelfos e gibelinos, sendo aqueles os duques da Bavária, e os gibelinos, da Francônia. Raphael Palestrelli teve dois filhos e uma filha com Beatriz Anes, mulher solteira, a saber Sebastião Palestrelo, João Palestrelo, e Violante Perestrelo, que não foi legitimada. Consta que Filippo Palastrelli vivia em Lisboa no reinado de D. João I, mas já estava em Portugal desde o reinado de D. Pedro I. Seu filho Bartolomeu Perestrello nasceu em Porto Santo em 1394; casou com Margarida Martins, sem geração; sua segunda mulher foi Isabel Moniz, filha de GiI Aires e Leonor Rodrigues; e irmã de Vasco Martins Moniz, Comendador de Panoias. O avô de Isabel Moniz, Martim Fagundes era casado com Branca Lourenço, da mesma família de Teresa Lourenço, a mãe de D. João I. Foi cavaleiro da casa do Infante D. João e depois passou à casa do Infante D. Henrique, o Navegador. Teve uma filha de nome Filipa Moniz. Por intermédio de Filippo Palastrelli, entraram em contato com Paolo dal Pozzo Toscanelli, matemático, astrônomo e geógrafo de Florença que vivia na Corte dos Médici, cuja família tinha ligações com os De La Torre, que disputavam a posse de Milão. A primeira visita a Toscanelli foi feita por uma comitiva em que estavam D. Jaime, arcebispo de Lisboa, filho do Infante D. Pedro, o Regente, e Fernão Martins Moniz que travou com o astrônomo grande amizade. Este intercâmbio foi intenso e produziu muitos frutos, com seu ocaso no reinado de D. João II. Para Portugal foram enviados mapas e todos os estudos sobre a terra e os astros, os quais desapareceram dos arquivos e nada ficou. Por este grande serviço, Filippo Palastrelli recebeu a ilha de Porto Santo.


Cristóvão Colombo era filho de Domenico Colombo, neto de Lancia Colombo, da cidade de Congoreto. Estavam ligados a Filippo Palastrelli por parentesco e pelas alianças na guerra da qual fugiram juntos. Cristóvão Colombo nasceu em Portugal, na cidade de Cuba, em 1401, um ano depois de Bartolomeu Perestrelo. Casou com Filipa Perestrello, filha de Bartolomeu Perestrello, o que era de se esperar por causa dos laços que os uniam de longa data. Colombo tinha uma formação de geógrafo e participava dos estudos da terra, planos de navegação e descobertas; conhecia os mapas e nada lhe era oculto por pertencer à família, e nunca passou a Castela segredo nenhum. Mas foi à Espanha para averiguar o quanto sabiam e impedir que se adiantassem nas descobertas com prejuízo para Portugal. Colombo não esperava ser ouvido e sua cantilena era para desviar Castela das rotas portuguesas, por isso pedia apenas três caravelas. Porém, sucedeu o contrário porque Isabel sabia mais do que se pensava e demorou a atendê-lo para confirmar a veracidade dos papéis que lhe chegaram. Colombo logo informou a D. João II de tudo que tinha feito, dando o mapa da rota que traçara. O rei se irritou muito porque aquele caminho se aproximava do Brasil cuja existência já era conhecida, e para sua descoberta esperava-se os meses mais secos. Quando deixou o porto de Palos, o próprio Colombo pensava em satisfazer D. João II com o fracasso, pois sabia que na rota escolhida era tempo de chuvas e de grandes tempestades. Os que navegaram ao sul da Àfrica ja tinham feito os mapas da estação de chuvas e sabiam dos perigos e dificuldades da navegação. Restava esperar que Colombo voltasse a salvo, mas não fizesse nenhuma descoberta. Apanhando a tempestade, Colombo pode ter perdido a rota, mas tinha certeza que chegaria em terra, o que ocorreu no dia 12 de outubro de 1492. Certo que não invadira os domínios de Portugal, deixou-se ficar na ilha a que deu o nome de sua terra natal, Cuba, para firmar seus domínios sobre ela, ou para que D. João II tivesse um motivo para reclamar sua posse mais tarde. Passando ao continente e vendo a extensão da terra, quis ele que os reis católicos lhe rendessem um preito de gratidão por torná-los senhores de tão grande e rica porção, mas Castela mandou o padre Malagrida investigá-lo sob a suspeita de ser judeu. Acusado de traidor, de homem de má índole, que abusava das índias e roubava os reis, foi perseguido. Livrou-se das acusações ao descobrir ouro em abundância no México, confirmado por Cabeça de Vaca e por Fernão Cortez, o que comprova uma possível ascendência judaica. O mau humor de D. João II se agravou porque, além de descobrir as terras, não fez o que pensou ser de justiça, que era dar-lhe uma parte dos lucros de seus achados, pois devia o sucesso de suas descobertas a Portugal de onde obteve todo o conhecimento. Colombo não saiu de Portugal por desavenças, traições ou agravos, mas por receber dos reis de Espanha títulos, terras e honrarias. Seu único filho Diogo Colombo, nascido em Portugal, tornou-se duque na Espanha; sua mãe, Filipa Moniz morreu em 1484. Colombo não voltou a casar, mas teve uma outra mulher. Tomou algumas índias por mulheres, e delas teve geração que ficou na América.


Ao falar em Escola de Sagres, ninguém vislumbra a grandeza e brilho daquela instituição. Falam dos navegadores como de gente humilde, sem instrução, que mal sabia ler, e só obedeciam a gritos dos seus senhores. Nada há mais infame e mentiroso. Os navegadores participavam do que havia de mais elevado em estudos e pesquisa. Era uma escola de sábios geômetras, matemáticos, estudiosos tais que nunca tinha havido, e depois de extinta, nunca houve outra. Não se tratava de simples aventureiros, mas de grandes cientistas cujo valor nunca foi reconhecido. Estavam ali congregadas pessoas do mais alto grau do saber. Faziam parte deste Colégio de doutos: Abraão Zacuto, a família Perestrelo, Colombo, a família Anes, família Eanes Zurara, Fernão de Magalhães, e muitos outros; também os infantes, dos quais o mais ativo foi o Infante Conde D. Henrique; e o rei. Após a morte de D. Henrique, o Navegador, D. João II assumiu a direção integral da escola de navegação e suas descobertas. Nunca houve, em toda a Europa, um centro de estudos como a Escola de Sagres. Desta tão grande e maravilhosa história restaram retalhos, pequenos pedaços que mais confundem que explicam os que se aventuram a falar sobre ela. Esta era a Escola de Sagres e estes são os seus membros mais conhecidos, mais ilustres.


Depois de buscas exaustivas sem nada achar de concreto, chegamos à conclusão de que a família Anes e Eanes são uma e mesma família da qual Gomes Eanes Zurara é membro. Brites Anes pertence a esta família. Era filha de Álvaro Anes de Santarem, senhor da quinta do Vale do Esteio, nasceu em 1460 e teve uma filha que se chamou Brites Anes Santarem cujo pai era D. João II. Não houve entre eles um encontro fortuito porque essas famílias viviam muito próximas ao rei; todas estavam envolvidas com os projetos e estudos da navegação, portanto tinham estreita convivência. Após a morte do príncipe D. Afonso, houve uma ruptura entre o rei e sua mulher. As acusações responsabilizando-o pela morte do filho encontravam eco entre os inimigos do rei, provocando uma divisão na família. Dona Leonor já não nutria o mesmo sentimento por D. João II desde a morte do Duque de Viseu D. Diogo, seu irmão. A rainha passava a maior parte do tempo no meio de sua família, longe do rei seu marido. O abismo entre eles se aprofundou de maneira que não tiveram mais vida em comum. A divergência sobre o futuro herdeiro do trono pôs fim à sofrida convivência com o afastamento definitivo. Sua solidão fê-lo aproximar-se de Brites Anes com quem viveu e casou. Deste convívio tiveram uma filha por nome Brites Anes de Santarém.


D. João II administrou a justiça ao reino e esteve atento à defesa dos direitos e proveitos da coroa. Ocupou-se na administração das descobertas ultramarinas, defendendo-as e tornando-as rentáveis. Mandou construir o Castelo de São Jorge da Mina para proteger o comércio de ouro de aluvião. Enviou Diogo Cão a descobrir a foz do rio Congo e explorou a costa da Namíbia em 1484. Em 1488, Bartolomeu Dias cruzou o cabo da Boa Esperança, sendo o primeiro a navegar no Oceano Índico. Em 1493, mandou Álvaro Caminha colonizar a Ilha de São Tomé e Príncipe. Pero da Covilhã e Afonso de Paiva lideraram expedições que foram por terra ao Cairo, Ardém, Ormuz, Abissínia e Sofala. Também se ocuparam em descobrir a terra do Preste João, onde chegaram e enviaram informações seguras de se poder chegar à Índia por mar. Pode-se dizer que este grande rei descobriu o mundo e nele se cumpriu a profecia dada ao rei Afonso Henriques: "... respondeu o Senhor que da sua descendência e de Portugal se não apartaria a sua misericórdia; e que vinha animá-lo naquele conflito, por estabelecer o seu reino sob firme pedra; (...), e que na sua descendência poria os olhos porque nela e no seu reino havia de estabelecer o império que levasse o seu nome às partes mais distantes da terra". Nunca houve na face da terra rei algum como D. João II, e pelo seu cetro não ficou lugar algum em que não pisasse a planta dos pés dos portugueses, e em todas as terras ficou uma igreja como sinal da sua presença. Os reis católicos tinham conhecimento dos planos de navegação portugueses e, com o papa, estudavam um meio de também entrar na posse das conquistas. Pediram ao papa uma bula que dividia o mundo em Ocidente e Oriente, ficando o Ocidente para eles. Era então papa Alexander VI, eleito em 1492, cujo nome era Rodrigo Borja, mas conhecido em Roma como Rodrigo Borgia. Antes, havia sido cardeal com a ajuda do tio materno Afonso Borja, que assumira o pontificado em 1455, como Calisto III. Esses Borjas, naturais de Valência, galgaram tais posições sob os auspícios dos reis católicos. Seguindo os passos do seu tio e toda sua família, trabalhou por Castela. Assim, o amigo papa atendeu ao pedido e fez três bulas, sendo duas do dia 3 e 4 de maio; e a terceira que é a Bula Inter Coetera, que quer dizer "entre outros", o Novo Mundo seria dividido por um meridiano a 100 léguas dos Açores e Cabo Verde, ficando o Oeste para Castela e o Leste para Portugal. Dom João II protestou e negociou com os reis católicos o Tratado de Tordesilhas que punha o novo meridiano a 370 léguas das mesmas ilhas. Em 1495, organizou a viagem da descoberta do caminho marítimo para as Índias, que não chegou a realizar. Há também as viagens do capitão Duarte Pacheco Pereira, cujos relatos desapareceram e nada se sabe de suas navegações a oeste de Cabo Verde. Isto é um pouco desta grande e maravilhosa história.


A preocupação de Castela ia para além dos Tratados. O seu único herdeiro, o príncipe Juan tinha saúde frágil, e sua filha mais velha, Isabel, estava casada com D. Afonso, filho de D. João II. Se lhe faltassem herdeiros, a Casa real portuguesa seria única herdeira de Castela e do mundo. Os reis católicos tentaram todas as vias diplomáticas para dissolver o casamento sem nada conseguir. Fiando-se nas orações e poder do amigo papa, que poderia resolver qualquer problema com uma bula, uma indulgência, uma guerra contra os infiéis, ou uma bula para assegurar direitos, Castela pensou que sua geração estava a salvo de todos os perigos. Para dissolver o indesejado casamento, pediu ajuda aos velhos amigos de todas as conjuras. Assim, entenderam por certo ousar contra a vida do príncipe Dom Afonso. O Conde de Cantanhede João de Menezes tinha parentesco com Isabel de Castela e participava da conjura contra o rei de Portugal mais discretamente. Era aio do príncipe, e recebeu carta do rei para ir ter com ele à corte. Empreendeu viagem oito dias depois de recebida a carta. Gastou mais oito dias no percurso, chegando à Santarém duas semanas depois. Já deixamos bem esclarecido que estas famílias curtiam a amargura das justiças que fizera o rei contra alguns dos seus membros pelas traições que perpetraram; por esta razão, acreditamos que não havia prazer nenhum em servir ao filho do rei. Ocupava João de Menezes as funções de mordomo mor da casa do príncipe, e D. João II não lhe retirou o cargo porque fez recair sua justiça apenas sobre os comprovadamente culpados. Estando ele com o príncipe, dissuadiu-o de acompanhar o pai para nadar no rio Tejo, e sugeriu como coisa mais divertida uma cavalgada. Como o coração do príncipe não fosse tão inclinado ao pai, logo aceitou o convite e saiu com ele e mais alguns nobres. E foi aí que aconteceu o trágico acidente, sem correspondente na História. O príncipe não caiu do cavalo por falta de habilidade com a montaria, nem por não ser aquele o seu cavalo, mas porque o Conde já tinha recebido instruções de seus amigos, e vislumbrou sua oportunidade de executar o plano que Castela lhe confiara. Ao lado do príncipe a correr, pediu-lhe que lhe desse a mão que, sem pensar, lhe foi estendida prontamente. Com todo o ódio de sua perversa alma, puxou-a para baixo, fazendo deslizar na sela o príncipe, que ficou agarrado ao corpo do animal de lado, sem ir ao chão. O conde João de Menezes, fingindo socorro, levou a mão ao pescoço do animal e teve mão ao freio, puxando-o para baixo, que o fez cair com violência sobre o corpo do príncipe. O impacto do animal sobre o corpo do príncipe foi muito forte, o socorro foi muito lento e desajeitado. O príncipe não era mau cavaleiro e o tipo de queda que sofreu poderia quebrar-lhe as pernas, as ancas, os braços, dificilmente seria o pescoço que o teve quebrado pelas mãos de João de Menezes. O acidente fora programado para se dar em Alfange, uma localidade isolada, onde havia apenas a casa de um humilde campônio, sem condições de socorro imediato ao príncipe. Ali Portugal recebeu sua primeira ferida mortal.


A rainha já não nutria simpatia pelo rei desde a morte de seu irmão D. Diogo, o duque de Viseu, não lhe poupando invectivas, e começou logo uma campanha em favor de seu irmão Dom Manoel. O rompimento foi inevitável e o rei buscou alento nos braços de Brites Anes, o que ninguém estranhou e nem tomou a mau, entendo existir ali um divórcio tácito. A morte de D. Afonso foi o último motivo de que a rainha precisava para deixar o rei sem ir para um mosteiro, e continuar sua vida com aqueles que sempre foram sua família. O ódio dos Bragança e sua amizade com Castela nunca diminuíram, e deram uma prova inequívoca de sua força quando da morte de D. Afonso, o príncipe herdeiro. Nada se pôde provar, e não havendo da parte do rei nenhuma inquirição, os inimigos ficaram livres para novos atentados. Como as ligações familiares permanecessem, os atentados contra a vida de D. João II não pararam até a consecução final do objetivo. O rei foi envenenado por um copo de água que tomou, dizem alguns, mas, ao que parece, o veneno foi subministrado de contínuo, sem que a própria vítima o percebesse. Por esta causa, enfermou o rei sofrendo de inchaços, indisposições estomacais, problemas renais, que indicam ter sido o mercúrio o veneno usado. O sal, o peixe e outros alimentos carregados de mercúrio, com algumas pitadas de arsênio nas refeições do rei não eram detectadas porque não alteravam o sabor, tornava a carne de gado e da caça mais macias e apetitosas. O uso do sal era diminuído para que entrasse em seu lugar o veneno mercúrio. Na mesa do rei não havia peixe todos os dias que justificassem seus males. Os reis anteriores comeram a mesma quantidade de peixe. Por outro lado os mares não estavam tão sujos como hoje e os peixes que contém muito mercúrio são cavala, marvin, peixe relógio, tubarão, pirá, atum, anchova, garoupa, achigã. É possível que o atum tenha ido á mesa do rei, vez ou outra, mas os outros, creio que não. Se o sal e o peixe já contém mercúrio, não é difícil aumentá-lo sem alterar o gosto: menos sal, mais mercúrio. A alteração de humor no rei deixou-o melancólico, menos atento, mais inclinado a ceder; a alteração física foi o inchaço que o impedia até de segurar a pena entre os dedos, socorrendo-se de seu secretário para escrever seus últimos textos.


Indo a buscar a cura, parou em Alvor, Portimão. Ali, na solidão que sempre viveu entregou sua alma a Deus. Demonstrando o seu desamor cultivado desde a morte de seu irmão, a rainha lá não foi. Seu filho Jorge também não compareceu. Sentindo que a morte se aproximava, mandou que fosse ter com ele D. Manoel, que empreendeu a viagem, e foi dissuadido de terminá-la ao saber que o rei tinha morrido. Ao saber da morte do rei D. João II, Isabel de Castela exclamou: "Murió el hombre". Sim... morreu um grande homem que só nasceu em Portugal, não se encontrando igual em nenhum lugar da terra. Deus o tenha, grande REI.



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