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  • Glaucy Lucas

Dom João II - A Perfeição Coroada

Atualizado: 1 de mai. de 2019

... "assentado el rei em sua Real Cadeira com o Cetro da Justiça na mão, e acompanhado de seus oficiais em sua antiga e costumada ordenança, logo D. Fernando, Duque de Bragança e de Guimarães, por si e por D. Diego, Duque de Viseu, que, por contrato das Tercerias era então em Castela, deu nas mãos dElRey sua devida obediência, e o fez pelos castelos de um e do outro menagem em forma. E o senhor D. Álvaro seu irmão, como procurador suficiente do Marquês de Montemor e do Conde de Faro seus irmãos e por todos os outros senhores do reino, por si, e por eles deu solene obediência. E desse um procurador de Lisboa a deu por si, e por todas as outras cidades; e outro da Vila de Santarém, por todas as Vilas".

Dom João II e sua esposa Dona Leonor

Nunca houve em tempo algum, um rei que tivesse tanta comunhão com o filho como Dom Afonso V e seu filho D. João II. Nem mesmo David, o homem segundo o coração de Deus, gozou de tamanha benção. O salmista viveu consumido pelas aflições trazidas por seu sobrinho Joabe, que o acompanhou no deserto, mas esforçava-se por exercer sobre o rei o domínio de grande general. Os filhos de David estiveram sempre em sua companhia e não se sabe de disputas entre eles. Mas, depois do caso de Batseba, que foi mulher de Urias, da qual nasceu Salomão, a casa de David nunca mais foi a mesma. O rei passou pela dor de fazer uma guerra em que vitimou seu belo e amado filho Absalão; sua dor foi acrescida porque não pôde chorar aquela perda e por queimar-lhe o espírito ao ver que seu pecado era a árvore da qual colhia tão amargos frutos. O mesmo sucedeu a D. Fernando I, rei de Portugal, que pecou tomando como esposa a D. Leonor Teles de Meneses, mulher de João Lourenço da Cunha com quem já tinha filho. Sofreu infortúnios e foi punido com a perda de sua geração por trair ao que a ele era leal, e com quem tinha paz. David foi desleaI com seu amigo e fiel servidor; D. Fernando fez o mesmo. A linhagem de David não foi extinta, mas o trono foi ocupado pelos sacerdotes príncipes até à queda de Jerusalém, no ano 70. Deus prometeu restaurar todas coisas, subindo ao trono o filho de David, o Mashiah Jesus, em quem os judeus esperam. O sinal do cumprimento da profecia é a fundação do Estado de Israel. A espada nunca se apartou da casa de David, conforme Deus tinha dito e se pode comprovar pelos males de que até hoje esta casa padece. Os demais tiveram sua casa extinta e o seu reino perdeu-se para sempre, passando a estranhos. Assim sucedeu à vizinha Espanha cuja casa foi extinta no reinado de Isabel I de Castela, subindo ao trono Filipe de Gante ramo cadete da casa de França. Isabel quis o reino de Castela e o conquistou por meios ignóbeis para com a sobrinha e afilhada. De posse da coroa não dividiu o reino nem com seu marido Fernando de Aragão, que lhe fora de grande auxílio. Esforçava-se ela para firmar sua dinastia, com seus filhos que levariam o nome de Trastâmara e não de Aragão. Mas não viu concretizados seus planos porque atentou contra a herdeira D. Joana, sua sobrinha e afilhada. Fez-lhe uma guerra desleal, destruindo sua reputação, seu bom nome com a desonrosa alcunha de Beltraneja. Implacável e impiedosa em sua perseguição, tirou-lhe o marido, e esbulhou-a de todos os seus direitos, exigindo sua prisão em um mosteiro de Portugal. Isabel atentou contra a própria mãe, pondo-a em um mosteiro como louca para tirar do seu caminho tudo que pudesse ser obstáculo às suas pretensões. Nada do que fez lhe trouxe o bem tão ansiado. Não teve o herdeiro que tanto desejou e caiu numa situação pior do que a do seu irmão o rei Henrique IV. Ficou provado por Deus que a herdeira do trono era D. Joana, a Excelente Senhora, e por ela salvar-se-ia a linhagem de Castela. Que os leitores nos perdoem tão longa digressão, mas julguei necessário mostrar que há regras que não podem ser quebradas sem que ocorram graves perdas de bens, honra, vidas e reinos.

(...) os nobres já quase sufocavam a autoridade real, (...) A força dos nobres era tal que já o rei estava quase destronado.

Dom João II, já aos 15 anos, era circunspecto, contido e não dado a paixões. Com lucidez analisava os atos das pessoas, julgando-as com exação. Demonstrava muita argúcia ao avaliar os fatos e as coisas sem se precipitar na decisão. Nunca se ouviu falar que houvesse um reinado conjunto de pai e filho sem haver desavenças, sendo este o único no mundo. Era o príncipe perfeito que se tornou o rei perfeito, e este epíteto é pequeno para conter tantas e tão grandes perfeições. É difícil falar do reinado de D. João II sem falar de Dom Afonso V porque estas almas gêmeas só se separaram com a morte. Sabemos o dia em que D. Afonso V começou a reinar, mas não podemos precisar o dia em que D. João II começou a tratar das coisas do reino. O Príncipe Perfeito reinou com seu pai sem lhe toldar a autoridade, sem imarcescer o seu brilho, e subiu ao trono no dia 31 de agosto de 1481, aos 26 anos. Inicia seu reinado em um ambiente corroído pelas intrigas, traições e disputas de poder. Reinando seu pai, os nobres já quase sufocavam a autoridade real, um mal que fora semeado nas guerras de sucessão do rei D. João I de Castela e desenvolveu-se no reinado de D. Duarte, e frutificou no reinado de Dom Afonso V. A força dos nobres era tal que já o rei estava quase destronado. A corrosão na base do trono ficou exposta na guerra de Alfarrobeira e no episódio das exéquias do Duque de Coimbra. Atendendo aos rogos da rainha, D. Afonso V mandou trazer os ossos de D. Pedro o Regente, ao Mosteiro da Batalha, com todas as honras do seu merecimento, opondo-se a isso com veemência o Duque de Bragança. Não tendo logrado seu intento, exigiu que o filho de D. Pedro, o Regente, que estava desterrado na Espanha, não viesse à cerimônia, no que foi atendido. O poder dos nobres de Portugal era exercido na maior parte das terras do reino, que não admitiam que os oficiais do rei entrassem em seus domínios; não prestavam ao rei a reverência e respeito devidos; usavam de muita familiaridade e pouco acatamento. Atreviam-se a requerer benesses, títulos e bens os quais não condiziam com seus merecimentos, deixando o rei intimidado por não o conceder. Ainda que D. Afonso V não deixasse de exercer sua autoridade in totum, estava cerceado pela força do Duque de Bragança, Duque de Viseu, Marquês de Vila Viçosa, Marquês de Vila Real, Conde de Marialva e os seus aliados. Dom Afonso V mostrou que tinha habilidade e força porque soube transitar naquele ambiente sem perder o reino nem se aviltar ante o poderio deles, passando o cetro a seu filho acrescentado e honrado. Sem dúvida, a intervenção do príncipe coibiu muitos danos, intervenções estas bem aceitas por Dom Afonso V. A gravidade vivida naqueles dias estava muito acima de meras desconfianças e ódios, mas uma premente necessidade de lutar pela preservação da própria vida e linhagem, e da conservação do reino. O duque de Bragança tinha tantos domínios e tanto poder que já se sentia como se rei fosse.


Estando em Arronches, onde lhe foi dada a regência, D. João II alcançou do rei a assinatura de um documento que tornavam inválidas quaisquer graças e doações que passassem de dez mil reais ao ano, caso não fossem assinadas em conjunto com ele. Esta medida visava refrear a audácia dos nobres para com o rei. Esse entendimento entre o rei e seu filho demonstra que ambos sabiam da necessidade de prudência e muita sabedoria para retomar o que se havia perdido. Ainda ali se detinha o príncipe quando recebeu a grata nova do nascimento do seu filho, que se deu no dia 18 de maio de 1475, e muito alegrou Dom Afonso V. De imediato, o rei declarou que, faltando o príncipe seu filho e, sendo ele casado com D. Joana, dela alcançando geração, o herdeiro do trono seria o príncipe que acabava de nascer. Ali mesmo foram feitos os documentos e aprestos usuais para tal cerimônia, e o bebé D. Afonso foi jurado herdeiro do trono. Em 19 de novembro de 1477, D. Afonso V sentiu-se muito abatido por ser desfavorável sua sorte nas guerras contra Castela, abdicou em nome do filho com intuito de peregrinar em Jerusalém e lá findar os seus dias. D. João II foi aclamado rei em Santarém, mas voltando seu pai, foi a Lisboa, esperou-o no cais e devolveu-lhe a coroa e o cetro.


A guerra contra Castela foi a guerra das grandes casas de Portugal contra seu rei, ocasião há muito esperada, por isso terminou sem vencedores. A crise dinástica de Castela foi aproveitada pelos nobres portugueses para uma tentativa de destronar o rei e assumirem o reino in totum. Não se pode ignorar a habilidade política do rei para manter o trono, nem a força e prudência de D. João II para resgatar seu poder. Isabel de Castela soube bem usar de todos os lances em seu favor e se fortalecer financeira e politicamente. Toro é o ponto determinante do desfecho das lides. Sua perda põe fim aos conflitos. O Conde de Marialva, que era do mesmo partido dos duques, ficara a governar a praça, que caiu em poder de Castela sem resistência. Como amigo e velho companheiro de armas, cometeu sua traição discretamente, um mês depois da partida do rei para a França. Um humilde pastor, instruído pelo Conde, conduziu o exército castelhano a uma passagem secreta, previamente desguarnecida, levou Toro à rendição sem combate. O capitão de ginetes Fernão Martins e o Almirante Lopo Vaz de Azevedo foram enviados para socorrerem Toro e outras praças atacadas, mas ao chegarem a Pinhel, souberam que Isabel mandara forças superiores às suas, desistiram e voltaram sem se informarem da sorte dos que lá estavam. Logo depois que Luís XI tornou público que se aliara à Castela, as conquistas se perderam. Dom Afonso foi traído também por este seu parente depois de peregrinar naquele reino por um ano. Os grandes de Portugal usaram aquele campo de batalha para destruir a família real, mas tudo acabou nas Terçarias de Moura. As melhores armas de Fernando e Isabel eram as armas e serviços das poderosas casas de Portugal.

O COMEÇO DO SEU REINADO

Morrendo o rei seu pai, D. João II ficou três dias encerrado nos seus aposentos sem ver ninguém, após os quais fez cortes em Évora onde foi levantado por rei de Portugal. Antes das cortes de Évora, D. João II consultou todos os documentos para saber qual a fórmula usada pelos reis passados para as menagens e obediência dos nobres seus súditos. Nenhum escrito havia, nem documento algum se encontrou das menagens dos alcaides e nobres possuidores dos títulos que lhes davam o direito aos castelos e terras. Reuniu o Conselho para debater o assunto, chamando os duques e seus irmãos, com o fim de fazer um documento onde se exarava uma fórmula jurídica e o ato público formal destas menagens que, ao final, seria assinado por todos. Não tendo chegado a um acordo, terminaram os debates. Mandou o rei fazer um livro para as ditas menagens, que ficaria nos arquivos de sua casa. No Livro Solene seriam registrados todas as menagens, constando o grau de nobreza, o nome, o lugar, o dia, o mês e o ano, com a assinatura do nobre e testemunhas. O texto da menagem identificava o que a prestava, dizendo reconhecer o rei como verdadeiro e único senhor a quem pertenciam todos os castelos e terras do reino. Nele, o nobre dizia que o rei seria recebido a qualquer hora do dia e da noite, com todos os que o acompanhassem; que faria guerra ou manteria tréguas, segundo o rei ordenasse. Prometia também não entregar o castelo a nenhuma pessoa que não fosse o rei. Entregando o castelo ao rei, nada tinha o nobre a requerer, nem pagas a receber, sem ficar isento da menagem devida. O duque de Bragança, seus irmãos, e demais nobres a ele ligados, acharam muito rigoroso e prejudicial à sua honra. O duque protestou e pediu para constar seu constrangimento em ata. Estando ainda em presença do rei, o duque não quis mais delongas e mandou logo buscar suas escrituras das doações e privilégios para que fosse ouvido na sua justiça. Ofendido, disse que o rei não o podia obrigar a fazer coisa que os reis seus antecessores não obrigaram a ele, seus pais e avós. Mal contendo a ira, mandou o Bacharel João Afonso à Vila Viçosa, onde tinha um cofre secreto, em que guardava suas escrituras e documentos secretos, e de lá trouxesse os documentos referentes ao caso. Mas, o Bacharel João Afonso estava ocupado com outros afazeres e mandou seu filho, homem de confiança, escrivão do duque, indo com ele Lopo de Figueiredo, que também era de muita confiança e exercia o cargo de escrivão da fazenda do duque. Este Lopo de Figueiredo, sem atentar a outra coisa que não fossem os papéis que fora buscar, deu com umas cartas do rei de Castela ao duque, e outras tantas do duque aos mesmos reis; umas já prontas, outras em minutas, corrigidas e com textos escritos pelo próprio duque. Examinou-as e viu nelas conteúdo de muito perigo ao reino e ao rei, tirou-as sem que o Bacharel percebesse e levou-as consigo. Saiu de Vila Viçosa antes do Bacharel e foi à Évora, pedindo para falar ao rei secretamente. De posse dos documentos, o rei mandou ao seu camareiro Antão de Faria que das cartas e escrituras de maior importância fizesse o reconhecimento, e das demais fizesse traslado. Feito isto, o rei entregou tudo a Lopo de Figueiredo e mandou-o colocar no lugar em que estavam. O rei sabia da má vontade dos duques, mas desconhecia a profundidade do abismo à sua frente, e quão próximo estava dele.

Profundamente impressionado com o perigo em que se deparara, D. João II usou de muita prudência, disfarçou o quanto pôde e consentiu com o Duque de Bragança de não trocar os fronteiros dos seus domínios. Estando o rei sentado na cadeira real, apresentou a todos os grandes do reino que ali estavam a nova fórmula de menagens e obediência, que se faria do modo seguinte: os nobres se ajoelhavam diante do rei e, com as mãos entre as dele, dizia em alta voz que juravam solene obediência e menagem a seu senhor e rei. Depois disto, o rei foi amável e muito amigo de todos enquanto pensava no modo de fazer justiça contra o Duque. Para ter liberdade de agir era preciso desfazer as Terçarias de Moura onde estavam seu filho e D. Joana, a Excelente Senhora, como reféns. As Terçarias de Moura foram o meio pelo qual se pôs fim à guerra castelhana. Como não houvesse vencedor declarado, convencionou-se dar os filhos de ambos os reis como garantia de cumprimento de um acordo entre as partes. O filho único de D. João II e a filha mais velha dos reis católicos foram postos na terçaria juntamente com D. Joana. Este tratado foi assinado em 4 de setembro de 1479 e nele ficou estatuído que D. Afonso, filho do Príncipe Perfeito casaria com D. Isabel, filha dos reis de Castela cujo dote, metade seria para ressarcir os gastos de D. Afonso V na guerra, e a outra metade seria devolvida a Isabel de Castela caso não houvesse as bodas; D. Joana se obrigava ao casamento com D. João, o filho dos reis católicos, que então tinha um ano; D. Afonso V se obrigava a nunca mais ver D. Joana; se D. João, o filho dos reis católicos, não quisesse casar, ficava ela obrigada a entrar para um convento de sua escolha, ou permanecer em terçaria. Tudo ficaria sob a guarda e responsabilidade da Infanta D. Beatriz, mãe da rainha Dona Leonor. O rei estava com as mãos atadas pelas quatro pontas e nada podia contra o Duque de Bragança por estar ele muito bem protegido. A Infanta D. Beatriz, bisneta de Nuno Álvares Pereira, tia de Isabel de Castela, mulher de D. Fernando, Duque de Viseu, sogra do Duque de Bragança, tinha entre seus poderes as bênçãos do Papa. Dona Beatriz conhecia os segredos políticos dos dois reinos, e tomou a liberdade de ir ao encontro de Isabel de Castela, sem consultar o rei, para intermediar a assinatura do Tratado das Alcáçovas e as Terçarias de Moura. Houve da parte do rei muita habilidade, firmeza e visão para contornar tantas adversidades. O espaço exíguo e perigoso em que se movia o obrigaram a aceitar tudo que foi ideado e feito por Dona Beatriz. As últimas revelações sobre o estado do reino fez D. João II se empenhar com toda a sua alma e usar de todos os artifícios para desfazer as terçarias, tendo atingido seu objetivo com o acordo de casamento do seu filho com Joana, a filha dos reis católicos. Os esponsais foram realizados em Sevilha e o rei estava muito feliz com o acordo. Suas mãos estavam livres para executar a justiça contra as traições do Duque de Bragança. Mas, o príncipe acabou casado com Isabel, a primogênita dos reis católicos.


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