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  • Glaucy Lucas

Dom João II - O Príncipe Perfeito

Atualizado: 29 de mar. de 2019

"... procedendo a algumas cerimônias a tal ato necessárias, pondo o príncipe os joelhos no chão, el rei lhe tirou a espada da bainha, dizendo-lhe em alta voz: 'Filho, grande dom recebemos hoje do Senhor Deus, pois além de dar em nossas mãos uma tão nobre, e forte vila, deu sobre isso azo para poderdes devidamente entrar na ordem da Cavalaria, e serdes armado cavaleiro de minha mão, vosso rei e vosso pai (...). Ora, visto que vossa vontade é tal (...) eu vos armo e faço cavaleiro em nome de Deus Pai, Filho e Espírito Santo, três pessoas num só Deus'".

Dom João II é armado cavaleiro por seu pai, o Rei Dom Afonso V.

D. João II, o Príncipe Perfeito, nasceu em Lisboa, no Paço das Alcáçovas, Castelo de São Jorge, a 3 de março de 1455, filho mais novo de D. Afonso V e de D. Isabel de Coimbra. O nascimento deste príncipe trouxe tanta alegria ao rei que o inclinou a atender ao pedido da rainha, tantas vezes requerido, para que os ossos de D. Pedro o Regente fossem trazidos ao Mosteiro da Batalha e não ficassem jogados como estavam desde que morrera. Após as exéquias, a rainha foi para Évora e ali morreu envenenada no dia 2 de dezembro de 1455, deixando o príncipe órfão aos dez meses de idade. Dom João II cresceu junto a seu pai e dele nunca se apartou; manteve com ele estreita ligação e tornou-se de extrema confiança. Casou aos 15 anos, a 22 de setembro de 1471, com sua prima D. Leonor, de 13 anos, filha do Infante D. Fernando, Duque de Viseu - tio de Dom Afonso V - e de D. Brites, filha de D. João, Mestre da Ordem de São Tiago.


Foi armado cavaleiro na guerra contra Arzila, em 21 de agosto de 1471, aos dezesseis anos.

Toda a corte se opunha à sua ida à guerra em África por não ter herdeiros, mas o príncipe terminou por ir e mostrar seu valor como soldado destemido e hábil no manejo das armas. Recebeu como encargo a administração das conquistas africanas, trabalho a que se entregou com muito afinco, tornando-as rentáveis. O rei deu-lhe, em seguida, a administração das alfândegas de Lisboa, cargo que desempenhou com muito zelo. Indo o rei à guerra no ano de 1474, D. João II tomou do cetro, exerceu seu mando e dirigiu o reino de modo que nada ferisse a real autoridade paterna. Assumiu a direção dos negócios das navegações que foram interrompidos pelas guerras contra D. Pedro, o Regente, e retomou os estudos da Escola de Sagres, abandonados desde a morte do Conde D. Henrique. No ano seguinte tornou-se regente e, embora lhe tocasse a administração interna, foi em socorro do rei na batalha de Toro na qual obteve vitória.

Dom João II foi à guerra porque D. Afonso V tinha sido abandonado por seus aliados no meio da batalha, sem nenhuma justificativa senão a da traição dos que a ele deviam lealdade. Caso não houvesse essa deserção, D. João II não deixaria o reino, pois as tropas que iam com o rei eram os nobres seus companheiros desde a juventude, tendo provado seu valor nas armas em várias guerras. Por outro lado, a ida à Castela não foi um ato impensado, mas era questão tratada e decidida entre ambos os reis que se avistaram e assinaram tratados sobre o assunto. Vivendo ainda, Henrique IV de Castela fez saber ao rei de Portugal as cláusulas do seu testamento que estipulavam o casamento de sua filha D. Joana, para gerar um filho que reinaria depois dele. Pretendia Henrique IV que o filho de Dona Joana seria o seu descendente que não deixaria sua lâmpada se apagar em Castela. As poderosas casas de Portugal apoiavam a causa de Isabel de Castela por temer o reinado de Dom João II em cujo desfavor se achavam. Lembremo-nos de que em cortes feitas por D. Afonso V, todos os nobres votaram contra a guerra à Castela. Decidindo-se pela guerra, D. Afonso V foi acompanhado destes mesmos nobres, mas com a intenção de fazê-lo cair diante de Isabel de Castela. Contudo, a sorte das armas pendeu para Portugal, e D. João II ficou três dias no campo de batalha para confirmar esta vitória. Portanto, mesmo com a deserção dos que estavam com Dom Afonso V, a vitória estava consolidada. Se D. Afonso V foi derrotado pela deserção da sua companhia, forçosamente, os vencedores teriam que combater Dom João II, obrigando-o a deixar o campo de batalha, sendo lavrados os termos da capitulação, mas tal não ocorreu. Antes, D. João II cumpriu todas as regras dos vencedores e ninguém o foi afrontar. Não foi a derrota que levou D. Afonso V à França pedir ajuda, mas precisava reorganizar suas tropas, para firmar-se no trono, o que não era possível com os desertores.


Já de muito corriam negociações em Castela a favor de Isabel I de Castela, filha do rei João II de Castela e da infante Isabel de Avis, filha de D. Duarte de Portugal. Os conchavos tiveram seu início no palácio do rei João II de Castela. A infante Isabel de Avis, ao casar, levara consigo a Beatriz da Silva, sua prima, quatro anos mais velha, que atraiu as reais atenções com sua beleza. Talvez essa atração tenha sido incitada pelos mesmos nobres portugueses descontentes com o andar dos seus planos na corte de D. Afonso V. Beatriz da Silva era filha de Rui Gomes da Silva, alcaide de Campo Maior, filho do Conde de Vila Real. Por intermédio de Fernando, Marquês de Vila Viçosa, irmão do Duque de Bragança, Beatriz passou a administrar os bens da rainha e teve sobre ela grande ascendência, deixando de lhe dar a atenção, acatamento e respeito a ela devidos, fiscalizando até seus gastos pessoais. Sentindo-se afrontada, a rainha quis tirá-la do seu serviço, mas foi impedida, despertando a real ira ao extremo. Na viuvez, a rainha foi para Arévalo e nada recebia dos seus direitos, estando Beatriz da Silva a administrá-los. Tenta a rainha libertar-se de sua forçosa administradora, mas sua investida foi frustrada pela própria filha, Isabel I de Castela, que defendeu Beatriz da Silva, surgindo daí a amizade entre ambas. A rainha D. Isabel de Avis vivia humilhada, esbulhada dos seus direitos, mas representava um perigo, pois poderia coordenar algum movimento em favor de Dom Afonso V. Para afastá-la, Isabel sua filha e Beatriz testemunharam supostos atos de loucura por ela cometidos fazendo-a examinar por médicos que a consideraram louca, internando-a no mosteiro de Toledo.


Toda aquela extenuante disputa estava vendida e os de Castela lavravam com as novilhas do reino de Portugal. Sendo Dom Afonso V experimentado em armas, e do mesmo modo o era os que com ele estavam, certo é que não perdesse a guerra. Castela e Aragão não tinham forças porque estavam divididos por uma guerra civil que vinha desde João II de Castela, pai de Henrique IV. Álvaro de Luna, Duque de Trujillo, sustentou uma disputa com Álvaro de Zuñiga, Duque de Arévalo, pela primazia no reino de Castela e ambos mudavam de lado conforme seus interesses pessoais, ora defendendo o partido de Joana, ora o de Isabel, ora o de Afonso, o irmão bastardo. Este Zuñiga criou a Liga Nobiliária para defender os direitos de Afonso, irmão bastardo de Henrique IV de Castela, chegando a destroná-lo, fato que ficou conhecido como a Farsa de Ávila. Foi cooptado para o partido de Isabel pelo Marquês de Vila Real, que lá estava e permaneceu até depois de o Príncipe Perfeito subir ao trono. Zuñiga instalou a corte de Afonso em Plaséncia, no seu próprio palácio. Álvaro de Luna aproveitou o vácuo deixado por Zuñiga e passou a governar em nome do rei.


A vitória sobre Castela tornava D. João II, o Príncipe Perfeito, muito poderoso, o que não era do interesse dos nobres de Portugal nem de Castela. Isabel I de Castela não tinha nenhum apoio militar, nem apoio dos nobres, nem do papa Pio II. Sendo ela mulher, irmã do rei Henrique IV, o trono estava-lhe vedado e ninguém via nela qualquer possibilidade para a sucessão. Mas, através da amizade com Beatriz da Silva, conseguiu o apoio do bispo Alonso Carrillo. Esta Beatriz, com o bispo Carrillo, advogou a causa de Isabel junto ao Legado Cardeal Rodrigo Bórgia, que pode ter oficiado a cerimônia do casamento secreto com Fernando I de Aragão. Passado o perigo, o mesmo Legado intercedeu junto ao papa Sisto IV para que legitimasse a união, alegando interesses da igreja. Depois disso, Zuñiga, que era natural de Navarra, tomou o partido de Isabel e juntou suas forças com Fernando de Aragão. Ainda em Arévalo, Isabel cumpriu a promessa feita à Beatriz da Silva, mandando construir o mosteiro da Ordem da Imaculada Conceição. Álvaro de Luna, enfraquecido pelas guerras, aceitou a decisão de aclamar Isabel rainha de Castela. Por seu lado, D. Afonso V, sem o apoio das tropas e a demora do rei francês Luís XI para prestar socorro, teve que abandonar o campo de batalha e reconhecer a vitória do papa sobre ele. O rei de França estava bem informado das coisas de Castela e esperou para saber qual dos lados seria melhor para si, vendo a melhor opção em Castela. Luís XI era muito católico e sua guerra contra o Duque da Borgonha era de cunho religioso. Inteirado de tudo, o rei francês optou por Isabel que contava com o apoio do papa. Não acredito que ele tivesse uma visão política tão futurista, mas creio que não foi um jogo de dados em que tivesse sorte. O Legado Rodrigo Bórgia tornou-se papa Alexandre VI e o trono de Castela passou à casa de França logo depois da morte de Isabel, a católica.

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