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  • Glaucy Lucas

D. João II - Afirmação da Autoridade

Atualizado: 5 de mai. de 2019

"Donde vêm as guerras e pelejas entre vós? Porventura, não vêm disto, a saber, dos vossos deleites, que nos vossos membros guerreiam?". Tiago 4:1

Dom João II examina a construção das naus.

Como atrás, ficou dito, as traições do Duque de Bragança restaram provadas com uma torrente de documentos, que a rede de espionagem do rei não cessava de mandar. As Terçarias de Moura terminaram a contento do rei que muito alegrou-se de ter seu filho de volta casado com D. Isabel, filha dos reis católicos. Esta conclusão é muito favorável a D. João II porque, de novo, coloca o trono de Castela próximo à coroa portuguesa. O rei fez grandes festas e, tal era o seu regozijo que deu a todos a impressão de que tinha esquecido tudo que se passara. Era justo este regozijo porque aproximava-se do trono de Castela em paz; recebera metade dos gastos que tivera com a guerra; e estava livre para prosseguir com o plano de afastar os perigos ao reino e tornar o trono mais sólido.


O Duque de Bragança tomou para si a incumbência de levar o Príncipe ao rei seu pai e se preparou com esmero. Estando a caminho, teve dúvida de sua segurança e mandou um dos seus irmãos informar-se dos sentimentos do rei para com ele. Mas, D. João II mandou dizer por carta que seria recebido com muito prazer. A carta foi levada à D. Beatriz, que, lendo-a, disse ao Duque para se por a caminho porque a missiva do rei indicava que sua casa retornava ao poder; e por conduzir o príncipe em paz e segurança teria mais honra e acrescentamento. Nisto concordaram os irmãos e aliados do Duque, entendendo que esta atitude fora motivada pelo temor a uma reação por parte deles. Chegando a comitiva, o rei saiu a recebê-la abraçando o Duque na maior alegria, levando-o a pensar que voltara a ser temido. Durante os festejos, que duraram dois dias, D. João II meditava no meio de prender o Duque de Bragança sem causar comoção. Por seu lado, D. Fernando acreditava que o rei estava temeroso do seu poder e retrocedera, preferindo acomodar as coisas de modo satisfatório para ambos. Terminadas as festas, o Duque foi ao Palácio das Cinco Quinas onde estava o rei com seus oficiais a despachar no paço. Afável, recebeu-o e convidou a sentar-se enquanto terminava o expediente. Depois do despacho, mandou que todos saíssem, ficando a sós com D. Fernando, que falou de coisas banais e entrou no assunto das suspeitas do rei. Pediu-lhe que não desse crédito ao que lhe diziam porque tudo era falso, mas punisse os que lhe traziam tais notícias. Tendo ouvido sua argumentação, o rei levantou-se dizendo que era do seu desejo se estender no assunto e convidou-o a subir aos seus aposentos. Ali chegando, disse que queria investigar a fundo para esclarecer toda a questão, mas para isso precisava detê-lo para que não houvesse influências. O Duque, pego de surpresa, nada pôde dizer e ficou preso. De posse de todas as provas, D. João II convocou os juízes e principiou o julgamento, dando a Dom Fernando o direito à defesa com advogados de sua casa. O Duque compareceu às duas primeiras sessões e viu que estava perdido. Não havia como justificar-se diante dos documentos e das testemunhas. Dom João II se abateu muito e chorava à leitura do processo, a ouvir os testemunhos que para uns era hipocrisia. Mas era sincero, pois lembrava-se do caso do seu tio Pedro, que morreu sob suspeita de traição; as humilhações a que o pai não pôde fugir; o insucesso das guerras contra Castela; as afrontas contra seu pai que, casado com a Excelente Senhora, foi obrigado a deixá-la na ignomínia, ficando com a desonra de vê-la comprometida com outro; e seu fim solitário e vergonhoso em um convento. Horror, vergonha, perdas, e todas as angústias paternas foram causadas por um súdito que alcançara tanto favor e tanto mal fizera ao rei e ao reino; dolorosas imagens desfilavam diante dele a cada leitura dos documentos constantes do processo. Sobravam motivos para um grande e copioso pranto. O Duque sentava-se ao lado do rei que participava ativamente do julgamento, com citações de provas e alegações sem deixar escapar nada. Dom Fernando não mais compareceu à sessão e mandou chamar seu confessor. Dom João II mandou chamá-lo e o Duque respondeu que o rei fizesse como melhor lhe parecesse porque ele tratava dos assuntos de sua alma. Para este Julgamento foram chamados todos os condes e demais pessoas de merecimento para estarem presentes ao ato. Escreveu aos reis de Castela participando o ocorrido como se eles não tivessem nenhuma ligação com o fato, e Castela respondeu que confiava na clemência do rei. Mandou também ocupar as fortalezas e vilas ligadas ao Duque e todas se entregaram sem oferecer nenhuma resistência.


O Marques de Montemor quis resistir na fortaleza de Portel, mas foi impedido pelo alcaide Nuno Pereira. Terminou por fugir para a Espanha, com o Conde de Faro. Dom Álvaro, que sempre mostrara lealdade ao rei, foi por ele aconselhado a fugir para qualquer parte, desde que não fosse para Roma ou Espanha. Preferiu no entanto ir para a Espanha, onde exerceu um cargo de justiça. A Duquesa de Bragança, mulher de Dom Fernando mandou os três filhos varões para a Espanha com alguns homens de sua casa. Para o julgamento do Duque, D. João II mandou tomar assento os letrados da Casa da Suplicação de Torres Novas; o Juiz presidente nomeado foi o Licenciado Rui da Grâ; o Doutor João de Elvas foi o procurador do rei. Defensores do Duque foram o doutor Diogo Pinheiro, da casa de Bragança, e Afonso de Barros. Vinte um juízes examinaram o proceso durante vinte e dois dias, prolatando a sentença em dois dias. Vendo as lágrimas do rei, alguns da casa do duque pediram clemência e concedesse a ele vida, tomando como penhor todas as fortalezas, e também as fortalezas dos senhores que faziam o pedido. Dom João II aceitou a sugestão e concederia o indulto se Castela lhe fizesse oposição, ou se houvesse resistência, por parte dos alcaides, à entrega das fortalezas do duque. Como nada sucedeu, o julgamento prosseguiu e o juiz presidente leu o libelo acusatório ao duque. Pasmado, D. Fernando pediu para se recolher por um momento, porém não mais voltou e respondeu ao chamado do rei com um versículo do Salmo: "não entreis, Senhor, com vosso servo em juízo, porque diante de vós ninguém se justificará". O rei leu o bilhete e mandou que o duque respondesse às acusações e se livrasse por direito. Mas, não havia como refutar nenhuma das peças do processo. O julgamento terminou após dois dias e, na madrugada do dia 29 de junho de 1483, o duque saiu montado numa mula, e por um momento pensou que escapara da sentença. No entanto, logo se desenganou ao ver a praça onde estava o patíbulo. Acompanhado do Padre Paulo que o consolava, mandou ao rei um bilhete em que dizia: " Direis a El Rei meu senhor que peço perdão a Deus e ele, e também lhe perdoo, e que o temor que dele tinha de me destruir e matar, me fez aquilo que temi, e que peço por serviço de Deus e seu bem e destes reinos que, assim como se soube fazer temer e ora por minha morte mais do que nunca, se saiba fazer amar, porque temor sem amor não pode muito durar...". Essa foi uma advertência bem clara de um futuro revide que lhe deixava o duque. O meirinho mor era o Conde de Marialva que, por ser amigo do duque, passou o cargo a Francisco da Silveira.


O desejo de D. João II de acabar com as Terçarias de Moura não está adstrito apenas à sua sede de justiça a executar sobre o Duque. O seu filho de quatro anos estava sozinho nas Terçarias, a viver com seus inimigos; sem nenhum ensinamento paterno; a sofrer todas as influências dos seus piores inimigos. Desde que foi apartado de seu filho que D. João II lutava com as armas diplomáticas para ter D. Afonso de volta. Sua rede de informantes lhe trazia notícias de toda a transformação porque passava o Príncipe junto à família de Dona Beatriz. Foi uma difícil missão para seus diplomatas junto à Castela, e a luta foi ainda mais dura para o rei porque não havia argumento a usar. O pequeno príncipe estava com os de sua família, aos cuidados da avó, a receber o mesmo tratamento dado à filha dos reis de Castela, portanto não podia nem dar mostras de suspeita de algum mal, atitude que poderia comprometer seus planos. Ao retornar o príncipe a seu pai, não mais havia nele o filho tão desejado. Sua alma estava contaminada pelos inimigos e nele nada havia de seu pai. O príncipe claudicava entre a vivência com a família de sua mãe e as verdades de seu pai. Ali foi nele inculcado, por sua poderosa avó, o quanto todos eles fizeram pelo bem do reino, e de como lutara para por um fim digno à guerra contra Castela. Do lado do seu pai estava ele só e sua verdade, pois sua mãe não era do mesmo parecer. Como sua visão era dada pela família dos Duques, o príncipe não via nenhum perigo ao trono e não via gravidade nas coisas que eles faziam. O pai lutou para recuperar sua mente e incutir nela tudo que o príncipe necessitava para resguardar o trono e o reino, mas ele pensava como sua mãe: o rei era ingrato. A atração da família dos duques e a força de sua mãe faziam-no inclinar-se para o lado contrário ao pai; e ele, apesar de filho, mais parecia um aliado da rainha. A convivência entre o rei e o príncipe ficou muito prejudicada e eles não passavam muito tempo juntos. Embora ferido, D. João II continuou a amar seu filho e tê-lo junto de si, porém sabia que ele estava mais ligado à casa dos seus inimigos e poderia destruir o reino.


O julgamento e a execução do Duque de Bragança deixaram a família e aliados como se tivessem desmaiado. O choque fora tal que todos pensavam apenas em fugir, esconder-se da ira do rei. Passado o pasmo, a conspiração reacendeu, e os irmãos do duque de Bragança, o primo do rei o duque de Viseu, com todos os aliados, retornaram à conjura com o firme propósito de deixar vago o trono. Um dos irmãos do duque, o Marquês de Montemor, começou por escrever cartas aos nobres de Portugal, em tom muito acintoso e atrevido. Perguntava ele "..até quando suportar que o tirano assim lhes abusasse da paciência...". Despertava ele a força naqueles que viram a execução do Duque, mas que se encontravam intimidados. Dom João II estava em Abrantes, no verão de 1483, quando recebeu seus espias com as novas sobre o Marquês. De posse das informações, convocou os letrados e deu início ao julgamento do Marquês, proferindo sentença de morte contra ele. O Marquês, que estava em Sevilha, foi degolado em efígie e morreu logo depois desta execução. Crê-se que foi envenenado. O Conde de Faro, seu irmão, estava em Andaluzia e morreu por este tempo. O Duque de Viseu, primo e cunhado, fora criado na casa de D. João II, mas era participante ativo das conjuras, e talvez tivesse acesso a informações vedadas aos demais, que facilitava a ação do grupo. Estava ele no Palácio das Cinco Quinas e assistiu a prisão do duque, ficando chocado. O rei chamou-o em particular e, na presença da rainha D. Leonor, repreendeu-o muito severamente. Indagou raivoso porque não avisou do que ocorria e, com dureza, lançou-lhe em rosto sua traição. Mas perdoava-o por ser de pouca idade, ao que o Duque de Viseu nada disse e beijou-lhe a mão, sem abandonar suas atividades. As atitudes de D. João II para com D. Diogo dão a entender que tudo fora perdoado. Indo a Aveiro visitar D. Joana, sua irmã que estava no convento, D. João II tratou de casá-la com Dom Diogo. Mas o pobre Duque já tinha a promessa de sentar no trono e sentiu-se seguro para continuar a nova conjura. Estando o Duque em Santarém, recebeu a visita de Dom Garcia de Menezes, que fora um membro das hostes guerreiras de Dom Afonso V. Também ele estava na cidade e foi procurar o Duque secretamente, reunindo-se a eles Fernando de Menezes, irmão do Bispo Dom Garcia; Fernão da Silveira, filho do Barão de Alvito; Guterres Coutinho, filho do marechal Fernando Coutinho; Álvaro e Pero de Ataíde, pai e filho; o Conde de Penamacor e seu irmão Pero de Albuquerque. Estudaram um meio de tirar a vida do rei pela espada ou por veneno, para sentar no trono Dom Diogo, o Duque de Viseu. Na páscoa de 1484, foi o rei com toda a corte a Setúbal, para o mosteiro de São Francisco onde o foi procurar um certo Diogo Tinoco. Disfarçado de frade, confirmou ao rei tudo que Antão de Faria já estava ciente. Dom Vasco Coutinho denunciou o próprio irmão que o mandara chamar quando saía de Portugal para Castela, pedindo que esperasse o desfecho do plano. O rei foi a Alcácer do Sal e ali viram boa ocasião de executar o plano de apunhalá-lo e raptar o príncipe, mandando-o para Sesimbra onde seria entregue a Guterres Coutinho. A emboscada estava pronta e o rei seria morto no embarque para Setúbal. Mas Vasco Coutinho foi ter com D. João II e avisou-o do perigo. Com sua guarda pessoal o rei voltou a Setúbal por terra frustrando os planos da conjura. O Duque de Viseu escreveu aos conjurados para que não tardassem mais o golpe, pois ia ele de Palmela para atender um chamado do rei e poderia ser esta a oportunidade de desfechar o golpe. Porém, D. João II interceptou as cartas e logo que Dom Diogo chegou levou-o ao seu quarto de vestir onde entrou muito confiado. Sem ir além dos cumprimentos, D. João II matou-o com muitas punhaladas. Ali estavam D. Pedro de Eça, Diego de Azamabuja, e Lopo Mendes. Morto o Duque, o rei mandou chamar o Dr. Nuno Gonçalves, como juiz, e Gil Fernandes, escrivão da Câmara Régia; e como testemunhas Vasco Coutinho e o irmão da concubina do bispo D. Garcia, lavrando o auto em presença deles. Dom João II mandou chamar Dom Manoel, irmão do Duque e o pôs ao corrente de tudo. Disse-lhe que lhe doava os bens do Duque; tinha-o em alta estima; e, se lhe faltasse herdeiro, seria ele o sucessor. Não havia muito o que dizer diante do corpo sem vida do irmão. Dom Manoel ajoelhou-se e beijou as mãos do rei e saiu. Dom João II extinguiu o ducado de Viseu e fez seu filho Duque de Beja e senhor de Viseu.

O pavor tomou conta da cidade de Setúbal e o rei mandou fechar as portas, vigiar todos os caminhos, procurar e prender os conjurados restantes. O bispo D. Garcia de Menezes pediu proteção à rainha, e D. João II mandou trazê-lo preso. O capitão de ginetes o levou para o castelo de Palmela, e lá chegando, lançaram-no em uma cisterna seca que havia dentro da torre de menagem, onde morreu em poucos dias. Naquele mesmo dia, foram presos o irmão do bispo, Fernando de Menezes, e Guterres Coutinho. Diante do rei, ousou se explicar Fernando de Menezes, e, sem temer pela sua sorte, fez sua prédica entremeada de altivez e sarcasmo que muito desagradaram o rei cuja vontade era ouvir uma retratação com arrependimento. Foi julgado, condenado e morto na praça de Setúbal. Mandou prender D. Guterres na torre de Avis por ser irmão de Vasco Coutinho. Pero de Ataíde e Pero de Albuquerque fugiram, mas foram presos ainda no caminho. O primeiro morreu em Setúbal e o outro em Montemor o Novo. Fernão da Silveira foi se esconder na casa de um criado de seu pai, numa cova, e de lá fugiu para Castela disfarçado de homem pobre. Dom João II pediu que dali fosse expulso, indo para a França onde foi morto pelo catalão, o Conde de Palhais. O banqueiro judeu Isaque Abravanel era cúmplice do Duque de Viseu e, sendo condenado, fugiu para Veneza. Álvaro de Ataíde ficara incumbido de raptar Dona Joana, a Excelente Senhora, e levá-la aos reis Católicos. Ao saber da morte do Duque, fugiu para Castela e de lá voltou no reinado de Dom Manoel. Considera, amigo leitor, que todos eles estavam na casa do rei, participando de sua intimidade, comendo e bebendo à mesma mesa, do que só se pode concluir que Dom João II foi justo.



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