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  • Glaucy Lucas

Dom Luís - Delícias de Portugal

Atualizado: 12 de jul. de 2021

Do mal, que me ficou, a culpa é minha, que sobre coisas vãs fiz fundamento. ("Horas Breves do meu Contentamento", Dom Luís).

O Infante Dom Luís e o Galeão Botafogo na Batalha de Túnis
O Infante Dom Luís e o Galeão Botafogo na Batalha de Túnis

Dom Luís é o quarto filho do rei Dom Manuel e de Dona Maria; nasceu a 3 de março de 1506, na cidade de Abrantes. Foi batizado aos oito dias, sendo seus padrinhos o Duque de Bragança Dom Jaime; Dom João de Almeida, Conde de Abrantes; e madrinha sua tia duquesa de Abrantes Dona Isabel. Foi o quinto Duque de Beja; quinto Senhor de Moura; nono Condestável de Portugal; e Prior do Crato, da Ordem Militar de São João de Jerusalém. O rei Dom Manuel, seu pai, deu-lhe casa sendo ele de um ano de idade. Seu mordomo foi Rui Teles de Meneses, Senhor de Unhão. Era de inteligência vivaz, e muito aplicado aos estudos. Seu primeiro professor, Pedro Nunes, lhe ensinou aritmética, geometria, astronomia e filosofia. Dom João de Castro foi seu mestre e amigo, e mais tarde, foi nomeado seu secretário. Gostava de poesia, e escreveu vários autos e poesias em companhia de Gil Vicente, de quem era amigo. Mas, de sua obra encontramos apenas o poema "Horas Breves do Meu Contentamento", que estava entre as obras de Camões. Toda sua produção literária ficou inserta nas obras de Gil Vicente ou nas obras de Camões, o que prova quão elevado era o seu conhecimento. O Conde de Vimioso afirma ser de autoria de Dom Luis a obra Auto de Dom Duardos, que foi apresentada por Gil Vicente. Era homem de talento nas letras, ombreando com os grandes talentos da língua portuguesa. Fez nome nas armas e no bom conselho quando administrou o reino ao lado do rei, seu irmão. Era amável e afetuoso com todos; cultivava amizade de sábios e poetas; granjeava amizade e estima tanto na corte como por todo o reino, e fora dele. Tantas eram suas qualidades que diziam ser ele as “Delícias de Portugal”; e que para ser rei só lhe faltou o reino.

Dom Manuel nomeou-o Fronteiro mor da comarca entre Tejo e Guadiana, em 16 de novembro de 1521, cuja carta foi assinada por Dom João III, porque o pai já estava doente. Participou da cerimonia de coroação de seu irmão Dom João III, indo adiante dele montado em um cavalo como Condestável do reino. O rei fê-lo jurar fidelidade de joelhos, nestes termos: "Eu o Infante Dom Luís juro a estes santos evangelhos e a esta cruz em que ponho a mão que recebo por senhor e rei verdadeiro e natural ao mui alto, mui excelente e mui poderoso príncipe El rei Dom João nosso senhor, e lhe faço pleito e menagem segundo os costumes destes reinos". Cumpriu o juramento tão fielmente que era censurado por ter se sacrificado ao irmão. Como já dissemos, Dom João III não tinha nenhum apreço pelo irmão e temia sua concorrência, pois pela vontade paterna ele seria rei em seu lugar. Por esta causa, não lhe permitia tomar parte em nenhuma atividade, deixando-o distante de todos os negócios, todas as atividades políticas do reino, sem opinar nem mesmo nas questões relativas à sua pessoa. Até sua ida à guerra em Túnis, não há notícia da presença do Duque de Beja nas cortes e conselhos que se fizeram, porém Dom Luís teve participação ativa nas cerimônias dos casamentos, que está descrita em várias obras. Em maio de 1523, Dom Luís, seu irmão Dom Fernando, e o Duque de Bragança, conduziram Dona Leonor, a viúva de seu pai Dom Manuel, até Badajós para fazer entrega dela ao Conde de Cabra, e ao bispo de Córdova que a levariam a seu irmão Carlos V. Em 1524, foi designado para ir com seu irmão Dom Fernando e o Duque de Bragança à raia de Elvas para trazer Dona Catarina, a noiva de D. João III, e levá-la a Almeirim, onde era esperada. Em 1525 estava presente na cerimônia de casamento de Dona Isabel, sua irmã, Jantando com toda a família e convivas. Acompanhou-a, com seu irmão Dom Fernando e o Duque de Bragança até Badajós, onde disse as palavras de praxe para a entrega dela aos castelhanos designados para recebê-la. Todas estas viagens, no cumprimento das reais ordens, foram feitas às suas expensas, sem nunca ser ressarcido. Em 1529, sua fama já corria pelas cidades de Anvers a Altemburgo; era celebrado na corte de Sigismundo I, rei da Polônia, em Vilna, Capital do Ducado da Lituânia. Também em Dantizik, na Prússia, na Cracóvia, capital da Polónia inferior, o Duque de Beja gozava de muito prestígio. Christóvão Scholovisko, que era Vice-rei e governava na ausência do rei, e o Vice-rei João Tarnóvio, Capitão da cidade e Fronteiro mor dos confins da Polónia e Tartaria, eram pessoas a quem o rei Dom Manuel armara cavaleiros na Igreja de São Julião, em Lisboa, e tributavam ao príncipe Dom Luís muita admiração; o que é uma clara demonstração do nome já alcançado. Dom Luís muito rogou que permitisse a sua ida à Arzila para fazer guerra à Mauritânia, mas não foi atendido. Pediu licença para ir à Índia para conquistar Cambraia, e lhe foi negado. Agastado com sua insistência, o rei mandou aprestar 60 navios, mas, logo ao inicío, mandou parar, alegando vários motivos. Em 1532, soube que Carlos V se preparava para fazer guerra aos mouros que pretendiam atacar a Hungria, preparou-se para ir, mas, sabendo o rei, proibiu-o de sair do reino. Desejou ir à África para impedir o declínio das rendas havidas naquelas terras, e conter a ameaça de investida dos árabes sobre as cidades; e também lhe foi negado. Sua vida estava circunscrita ao trato dos seus assuntos particulares. Todas as suas vontades eram contrariadas pelo rei, seu irmão, o que lhe dava profundo desgosto.


Em 1530 Carlos V pediu ajuda a Dom João III para combater o Barba Roxa que tinha tomado as cidades de Tunis e Argel; dominou o mar Mediterrâneo, tornando toda a navegação perigosa pela pirataria que praticava. Com presteza, Dom João III enviou o galeão São João Baptista, 20 caravelas, e duas naus, designando António Saldanha, o Velho, para comandar a esquadra com amplos poderes no cível e no crime. Caso falecesse, assumiria o comando da esquadra Simão de Mello com os mesmos poderes. Ao saber destes preparos para o recontro, Francisco I, de França, avisou Barba Roxa para se precaver do ataque que sofreria naqueles dias. Barba Roxa, dando-se por avisado, fortaleceu a Goleta de modo a torná-la inexpugnável. Goleta é uma angra, um pequeno canal que dá acesso ao porto de Túnis. Fortificada como estava, tornava impossível a conquista da cidade. Dom Luís estava em Évora quando lhe chegou a nova da partida das naus para Barcelona, no mês de março de 1535. Não consultou a ninguém, nem pediu licença ao rei, mas saiu em segredo e foi ao encontro de Carlos V, acompanhado de Manuel de Sousa Chichorro, Fernando, Francisco Pereira, Pero Botelho, e André Teles. Logo que souberam da partida de Dom Luís, outros fidalgos e senhores o seguiram, uns com licença do rei, e outros sem ela. Dom João de Lancastre, Duque de Aveiro, pediu ao rei licença para ir, mas não lhe foi concedido. Dom Teodósio, Duque de Bragança, foi ter com Dom Luís sem pedir licença, alcançando-o em Arronches. Ao saber da ida de Dom Luis, e que junto estava o Duque de Bragança, o rei mandou atrás deles o Conde da Castanheira, Dom António de Ataíde, com licenças para Dom Luís seguir viagem e 100 mil cruzados para suas despesas. Mas, ao duque de Bragança mandou voltar, ordem que não foi aceita senão depois de receber uma carta escrita pelo rei, com ordens expressas de não passar de Arronches. Dom Teodósio deu 15 mil cruzados que levava, para dividir entre os que acompanhavam Dom Luís e voltou muito pesaroso para Évora porque não havia participado de nenhuma ação militar, e esperava acrescentar algum feito militar ao seu nome naquela oportunidade. A comitiva que foi com Dom Luís estava composta por Dom Pedro de Mascarenhas, Lourenço Pires de Távora, Ruy Lourenço de Távora, Luiz Gonçalves de Ataíde, Dom João Deça, Tristão Vaz da Veiga, Dom Garcia de Castro, António de Albuquerque, Fernão da Silveira, Diogo de Castro Sabugal, Dom Francisco Coutinho, Belchior de Brito, Pero da Fonseca, Dom Afonso de Portugal, filho do Conde de Vimioso, Dom Afonso de Castelbranco, Dom António de Almeida, Ruy Mendes de Mesquita, e João de Sepúlveda, que se juntaram aos que já lá estavam. Outros muitos foram sem licença cujos nomes não foram anotados, mas o rei enviou recursos para os gastos de todos.

Por um momento Carlos V pensou que seria derrotado e (...) falou em abandonar a empreitada, mas Dom Luís apresentou-lhes uma solução para suplantar a goleta (...).

Carlos V prestes a partir, recebeu os retardatários com grandes festas e a gente de Dom Luís embarcou-se no galeão São João Baptista. Carlos V, Dom Luís e mais alguns fidalgos, passaram para uma linda galé de quatro remos por banco, mandada fazer em Gênova, pelo príncipe André Dória para aquela ocasião, tendo gasto dois dias para todos se embarcarem. António de Saldanha, capitão mor, recebeu carta do rei para que obedecesse a Dom Luís, seu irmão, em tudo, por todo tempo que durasse a viagem. A armada partiu dia 30 de maio de 1535, e tendo andado algumas léguas, deu nela uma tempestade tão grande que dispersou todas as naus, indo cada uma ter a um porto. A galé de Carlos V, junto com outras, foi parar no porto de Maiorca, onde esperaram bom tempo para ajuntar todos que, no total eram 400 velas, entre elas, 90 galés reais, e mais fustas e galeotas de aventureiros de Castela e Itália. A armada ia com 24 mil soldados de várias nações, mil e quinhentos cavalos, mil fidalgos e senhores particulares de várias nações, e 500 ginetes castelhanos. No caminho, encontraram uns fugitivos de Túnis, que deram aviso a Carlos V que a goleta tinha sido fortificada. Chegando à goleta, Carlos V mandou alguns homens com o Marquês de Basto, para examinar a torre e as fortificações feitas, e no outro dia, pela manhã, desembarcou gente e armas, indo ele junto com Dom Luís e alguns fidalgos. Havia uma cidade abandonada e nela ficaram alojadas as tropas. Os mouros não lhe fizeram nenhuma resistência, e alguns correram pela praia a cavalo, gritando e fazendo um ou outro ataque facilmente repelido. Em dois dias desembarcaram todos. Porém, abstiveram-se de atacar porque não tinham saída livre para o mar por causa da goleta para onde Barba Roxa mandou descer sete mil soldados. Mandou 15 mil homens de cavalo para os lados do desembarque das tropas de Carlos V, os quais faziam umas escaramuças com as tropas. Uma parte das tropas escaramuçava com os homens de Barba Roxa, e a outra parte abria umas trincheiras, gastando nelas alguns dias. Vendo que terminavam as trincheiras, Barba Roxa fez rijo ataque de dia e de noite, com muitas baixas de parte a parte. Terminado este serviço, Carlos V reuniu a armada, atacando os mouros por terra e por mar. Neste primeiro ataque houve muitas baixas porque os navios não podiam se aproximar e os ataques dos turcos eram mais eficientes. Os navios davam em fortes correntes submersas e ficavam encalhados, recebendo o fogo da artilharia turca, sem poder responder ao ataque com eficiência por causa da distância. Por um momento Carlos V pensou que seria derrotado e, numa reunião que fez com os grandes que levara consigo, falou em abandonar a empreitada, mas Dom Luís apresentou-lhes uma solução para suplantar a goleta, que a todos pareceu convincente. Pôs então em prática a ideia do Duque e subiu ao galeão São João, seguido por ele, que logo deu ordens ao piloto que se afastasse, tomando boa distância, enfunando as velas para apanhar toda a força do vento, e voltasse dando nas correntes da goleta com todo o impulso obtido. Ordenou que as baterias do galeão abrissem fogo estando mais próximo da terra. O galeão São João Baptista era o maior navio daqueles tempos, e fora construído em Portugal, em 1534, tendo na proa uma serra ou talhamar de aço muito fino e afiado, de muita resistência. Com sabedoria, Dom Luís deu na goleta golpe tamanho que levantou um vagalhão, impedindo aos turcos a visão do que acontecia. Passou o galeão pela goleta com veloz fúria, entrando pelo rio a atirar sobre os turcos com os seus 366 canhões, 600 mosqueteiros, 400 soldados de espada e rodela, e 300 artilheiros. O fogo era tão potente que abriu uma larga estrada morro acima, por onde as companhias de terra já subiram, cada uma com seis escadas para alcançarem as muralhas da cidade. Por aquele fogo tão intenso, que trouxe a vitória, o galeão passou a se chamar Botafogo, e a goleta, dantes inexpugnável, foi dominada no dia 13 de julho de 1535. João Pereira de Sousa, nobre da cidade de Elvas, era o responsável pela artilharia e ganhou a alcunha de Botafogo que ele adicionou ao sobrenome. Foi para o Rio de Janeiro e lutou contra os índios tupis e invasores franceses, recebendo como recompensa, as terras perto da baía de Guanabara a que deu o nome de Botafogo. Estas terras deram origem ao bairro do Botafogo, onde está o time de futebol de mesmo nome o Botafogo de Futebol de Regatas. Este foi o primeiro feito militar de Dom Luís, que lhe trouxe uma merecida glória, conquistando o respeito e admiração de todos que ali se achavam, e de todos que ouviram sua história.

Carlos V reuniu-se com os senhores e capitães para decidir se passariam à conquista de todo o reino de Túnis, ou voltariam dali para Castela. Todos concordaram com o parecer de que se devia voltar para Castela, mas venceu o parecer de Dom Luís, com o qual concordava o duque de Alba, de que deveriam conquistar todo o reino de Tunis. Feita a conquista, Carlos V entregou a cidade ao seu antigo rei Muley Hascem, que assinou os tratados com ele para facilitar a entrada dos cristãos nos seus domínios. Ficou o rei de Tunis com a obrigação de dar ao rei de Castela seis cavalos e dois falcões a cada ano. Despediu-se Dom Luís de Carlos V, que lhe deu muitas coisas, dizendo-lhe que lhe devia a maior parte daquela vitória. Chegando a Castela, Carlos V escreveu a Dom João III dando notícia da grande vitória alcançada com ajuda do Duque de Beja, Dom Luís. Quando da tomada do castelo de Tunis, Carlos V e todos da comitiva entraram na igreja para dar graças a Deus pela vitória obtida. Estando diante do altar, Carlos V dirigiu-se a Dom Luís perguntando-lhe se gostaria de ser armado cavaleiro ali, mas Dom Luís não o consentiu. Recebeu dele apenas bandeiras e espadas africanas, não admitindo receber nenhum pagamento. Então, Carlos V mandou que lhe dessem tratamento de rei.

Pelo valor demonstrado, Carlos V pensou em casá-lo com Christernaca, filha de Christerno, rei da Dinamarca, e de Isabel, viúva de Francisco Sforza, Duque de Milão, mas logo o Duque de Beja fê-lo desistir. Para se justificar da recusa, Carlos V alegou que a oposição feita pelo seu irmão Francisco I de França, o levara a desistir daquele intento. Dom João III recebeu cartas do rei da Espanha, contando da vitória sobre o Barba Roxa, e das ações militares e bravura de Dom Luís. Finda a disputa com Francisco I, Milão foi dado a Filipe. Voltando a Portugal, Dom Luís foi recebido na corte, e o rei seu irmão, com ele se aconselhava, dando-lhe participação ativa na administração do reino. Nas audiências, Dom Luís ficava de pé ao lado direito de Dom João III, recebendo as cartas e documentos, para decidir sobre os negócios do reino. Aconselhou o rei sobre as coisas da Índia, e indicou Dom João de Castro para o lugar de Martin Afonso de Sousa, que lá estava a longo tempo e pedia para voltar a Portugal. Tratou com o rei de Castela sobre as invasões de Francisco de França às possessões portuguesas. Carlos V também pediu que fosse o mediador da paz com seu irmão Francisco I de França.

Embora de tão ilibada e notória reputação, e talvez mesmo por isso, o futuro do Infante Dom Luís foi funesto nas mãos do seu irmão Dom João III. No próximo post trataremos do casamento e desventura deste grande príncipe.

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