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PETIÇÃO DIRIGIDA À ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA DE PORTUGAL

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DE PORTUGAL

GLAUCY LUCAS BRAGANÇA, brasileira, separada judicialmente, aposentada pelo Superior Tribunal de Justiça, portadora do passaporte de número YC833390, expedido pelo Consulado Geral do Brasil no Porto, e TENISOY BRAGANÇA DE ARAÚJO, brasileiro, divorciado, advogado regularmente inscrito na OAB\DF\Brasil sob o número 33.929, portador do passaporte de número YC869875, expedido pelo Consulado Geral do Brasil no Porto, ambos domiciliados na Rua Nossa Senhora da Conceição, 13, pavimento superior, Torre de Moncorvo, Bragança, Portugal, CP: 5160-291, vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência, com fundamento na Lei nº 43/90, art. 2º, número 1, propor
PETIÇÃO
para o fim de que sejam tomadas as devidas medidas quanto ao relatado abaixo, pelos factos e motivos a seguir expostos.


Parte I – Dos Requerentes

1. Da Ligação com Portugal


1.1. Os requerentes são descendentes diretos do Rei Dom António, que foi também Prior do Crato, título que lhe ficou depois dos esbulhos cometidos por Felipe II da Espanha. Este rei adulterou a documentação oficial da época, com a intenção de impedir que seus descendentes viessem a reclamar seus direitos ao trono. Estes atos são máculas que permanecem na história portuguesa até ao dia de hoje.


1.2. Ao contrário do que se costuma alegar, alguns dos filhos de Dom António sobreviveram à perseguição que lhes moveu Felipe II de Espanha. Este rei espanhol envidou todos os esforços para assassinar Dom António e extinguir sua descendência. Procurou alterar todos os registros oficiais para impedir que a posteridade de Dom António os pudesse usar para defender seus direitos ao trono. Não bastasse toda essa violência e fraude, tentou denegrir a reputação ilibada do Rei Dom António, e de seu pai Dom Luís, corrompendo a verdadeira história da Dinastia de Avis e de Portugal, com o fim de legitimar sua posse manu militari. Por sua perseguição implacável, as mãos de Felipe II de Espanha sempre estarão sujas do sangue português, especialmente o sangue de Dom Luís e de sua descendência. Porém, Dom António pertence àquela geração da qual o Senhor Deus falou ao Rei Dom Afonso Henriques, prometendo que nela poria os olhos para preservar e livrar da extinção. Por isso, muito embora a potência espanhola estivesse no encalço dos filhos do Rei Dom António, o amor de Cristo protegeu uma de suas filhas, que escapou e foi levada para o Brasil. Quis o Todo-Poderoso manter viva a descendência do Rei Dom António, e uma das maiores provas disso é que se apresentam aqui, e agora, vivos, os descendentes desse rei.


1.3. “É bem autêntica entre os naturais, e recebida entre os estrangeiros (posto impugnada por alguns castelhanos) aquela misteriosa aparição de Cristo Senhor Nosso ao primeiro rei lusitano D. Afonso Henriques, o qual na noite precedente ao dia em que havia de dar no Campo de Ourique batalha a Ismael e a outros quatro reis mouros, triste e pensativo por ver a gente portuguesa temerosa da multidão bárbara, pegando em uma Bíblia que tinha na tenda, e achando nela a vitória que alcançou Gedeão com só trezentos soldados, matando mais de cento e vinte mil Madianitas, pediu a Deus favor, por ser aquela guerra por seu amor empreendida e contra os blasfemos do seu santo nome; (...).
Ficando em oração o piedoso príncipe, e ouvindo o sinal na segunda vela da noite, saiu fora da tenda e viu para a parte do oriente um raio, que resplandecendo pouco a pouco foi formando uma cruz mais que o sol brilhante, e nela se lhe mostrou o Senhor crucificado, a cuja divina presença prostrado o príncipe, largando a espada, o escudo, a capa e o calçado, derramando muitas lágrimas, lhe rogou pelos seus vassalos, e que se algum castigo lhe tinham merecido, o voltasse só contra ele, e que aqueles súbditos animasse e ajudasse a vencer aos inimigos da sua santa fé, e se lembrasse não só dos seus sucessores, mas de toda a gente de Portugal.
A esta deprecação por tão justas causas e com tantos suspiros feita respondeu o Senhor, que da sua descendência e de Portugal se não apartaria sua misericórdia, e que vinha animá-lo naquele conflito, por estabelecer o seu reino sobre firme pedra; que aceitasse o título de rei que antes de entrar na batalha lhe ofereceriam seus vassalos, e que na sua descendência (atenuada na décima sexta geração) poria os olhos, porque nela e no seu reino havia de estabelecer um império que levasse o seu nome às partes mais distantes". (PITTA, Sebastião da Rocha. HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA. Vol. XXX. São Paulo: Gráfica Editora Brasileira Ltda, 1950. p. 212).


1.4. Dom António é o 17º rei português, o que pode ser provado pela documentação existente, suficiente para atestar que todas as exigências, principalmente as legais, foram cumpridas segundo a lei e os costumes da época. Além disso, foi reconhecido como rei pelas nações, e.g. Inglaterra e França, como será exposto adiante. O Rei Dom António não poupou esforços para expulsar o inimigo invasor, gastando tudo em prol da liberdade de Portugal. Deu até mesmo sua vida, que foi tirada por um assassino a mando de Filipe II de Castela. Resta agora que seja feita a devida justiça a um dos mais insignes vultos da história portuguesa, e a seus descendentes, reconhecendo sua dignidade e devolvendo-lhes seu espaço na história e na sociedade portuguesa, o que se fará, segundo entendem os requerentes, por meio de uma AUDITORIA HISTÓRICA, que possibilitará a produção das provas perante as quais restará confirmado o direito dos requerentes.

Parte II – Dos Factos

2. Dos Desentendimentos Entre Dom João III e Seu Pai o Rei Dom Manuel


2.1. Ao perscrutar as entrelinhas e os vácuos da história, observamos que Dom Manuel tem muitos problemas domésticos. O mais grave deles é a saúde mental do herdeiro do trono que não era boa desde que, aos doze anos, caiu da varanda e ficou sem fala todo aquele dia, permanecendo em estado de inconsciência por toda a noite; e tão mal esteve que já ninguém esperava que vivesse. Dom João III convivia com a família do Duque de Bragança, sendo o próprio Duque dom Jaime seu padrinho; e com pessoas de Castela, parentes de sua mãe, como uma grande família, cuja influência foi determinante no caráter do príncipe. Recebeu a mesma educação dada aos filhos deles e não teve a preparação adequada às funções para as quais nascera. Sua educação foi confiada à mãe, que o criou sob total influência de Castela e do seu padrinho o Duque de Bragança. Desde cedo, o príncipe revelou grande dificuldade de acatar a autoridade paterna. Por suas rebeldias, castigava-o seu pai como nenhum outro príncipe o foi. Mas a correção aumentou a resistência e antipatia às ordens paternas, criando nele animosidade e coragem de enfrentamento, em vez de obediência. Todos os que cuidavam da pessoa do príncipe incentivaram sua rebeldia porque queriam usá-lo para atingir seus nefastos planos.


2.2. Dom João III tinha o apoio do Duque de Bragança, da Casa de Viseu, e dos seus parentes da casa de Espanha que o instigavam às revoltas. A conselho deles, e em desafio à autoridade real, por seu livre arbítrio, iniciou tratativas de casamento com Dona Leonor, irmã de Carlos V. Dom Manuel tentou frustrar os planos dos que usavam seu filho, casando com a noiva por ele escolhida. Por lhe faltar forças para ir contra toda a família, o rei achou este o melhor caminho para apagar o estopim da rebelião que já estava às portas. O príncipe era incitado a estas coisas pelos oficiais de sua casa, o Duque de Bragança, e os parentes de Espanha, à caça de um motivo para a insurgência.

3. Dom Manuel Inclina-se a fazer de Dom Luís o Próximo Rei


3.1. Aos 17 anos, Dom João III liderou uma rebelião contra o rei, quando da sua saída de Lisboa para receber a nova esposa, a rainha Dona Leonor. O príncipe impediu Dom Manuel de entrar na Capital do reino por dois anos. Vencida a rebelião, todos os oficiais do príncipe foram expulsos de Portugal; alguns perderam seus títulos e outros foram proibidos de viver em Lisboa. Dom Manuel cumpriu a ameaça feita ao príncipe e tirou-lhe a primogenitura, passando-a a seu irmão Dom Luís, por disposições testamentárias. Obrigou-o também a viver fora da corte, o que foi de pouca dura. Enquanto esteve fora, viveu em companhia do Conde Dom Henrique, seu irmão, tomando parte nas sessões do tribunal de Inquisição, criado pela rainha Dona Leonor. Enviou carta pedindo perdão ao pai, que o perdoou e recebeu no Castelo de São Jorge, onde foi viver com toda a família. Mostrando-se muito gentil, respeitoso e amoroso, conquistou as boas graças do rei, mas não o trono. Vendo a firmeza da decisão do rei, engendrou um estratagema para não perder o trono que estava convicto de lhe pertencer.

4. Dom Manuel Morre em Circunstâncias Suspeitas e Não Consegue Preparar o Caminho do Trono para Dom Luís


4.1. Dom João III demonstrava estar em boa paz e plena concórdia com o pai e os irmãos, e nada transparecia do seu ânimo. Depois de se certificar de que não herdaria o trono, tornou-se mais amável e convidou seus irmãos para uma caçada, com o objetivo de retirar todos de perto do rei. Nesse mesmo dia Dom Manuel teve um mau súbito, que sugere um envenenamento, e caiu enfermo. Já à noite, saiu um correio que foi enviado aos filhos do Venturoso para que voltassem logo por se achar em risco de vida. A presença dos filhos nada pôde em favor do rei, mas para Dom João III foi uma oportunidade única. Ao chegar, assumiu o controle de tudo e não permitiu que ninguém entrasse para vê-lo. Os filhos, os médicos e o confessor do rei não foram admitidos no seu quarto, mas apenas as pessoas autorizadas por Dom João III. Dom Manuel, o Venturoso, morre, e o seu testamento é conduzido por seu filho Dom João III, que preside todas as formalidades legais, sem nada nem ninguém  se lhe opor. Sobe ao trono aos 19 anos de idade.


5. Dom João III Assume o Reino


5.1. Logo que subiu ao trono, Dom João III perseguiu e expulsou toda a corte de Dom Manuel. Manteve dela apenas os servidores mais próximos, que dariam continuidade aos planos de expansão. Todos foram perseguidos, esbulhados dos seus bens e direitos; alguns foram mortos e todos os demais saíram de Lisboa. A Escola de Sagres foi fechada, as navegações foram encerradas e muitos planos e mapas foram para a Espanha. A corte de Dom João III era formada de pessoas que tinham alguns feitos de armas e outros nenhuma experiência tinham; e, também, nunca tinham participado da administração dos negócios do reino. Dom Luís foi para sua casa e lá ficou sob ameaça até à saída para Túnis, de onde voltou como rei. Dom Luís e Carlos V conversaram sobre os factos acontecidos na corte portuguesa e as circunstâncias em que morreu Dom Manuel. Carlos V não teve como negar sua participação e não pôde rebater nenhum dos argumentos de Dom Luís. O rei de Espanha reconheceu que Dom Luís era o herdeiro do trono e o apresentou a todos ali reunidos como rei de Portugal. Mandou que lhe devessem obediência como rei, e de tudo deu ciência a Dom João III. Mas, porque havia muitos tratados e conchavos, e porque tinha forças para defender seus interesses sobre Portugal, não quis apear Dom João III do trono, saindo da questão dividindo o poder entre os dois irmãos. Cabia a Dom Luís conquistar a parte do seu irmão. Por seu lado, Dom Luís tinha fugido de uma apertada vigilância e recobrou metade do seu direito com a ajuda da Liga Esmalcalda de que era membro. Portanto, exigiu que não houvesse ingerência da Espanha nos assuntos de Portugal, o que foi cumprido em parte. Carlos V entendeu que o acordo era bom para todos até vencer a Liga Esmalcalda. Dom Luís reinou ao lado do seu irmão, sendo por todos acatado e obedecido. Dom João III não pôde obstar seus passos, e quem reinou de facto foi Dom Luís, e era chamado “as Delícias de Portugal” pela segurança que dava ao reino. Seu pai lhe deu casa quando tinha um ano de idade para subtraí-lo às influências dos parentes, da sua mãe, e de todos os de sua casa, forjando nele o caráter do rei que o havia de suceder no trono.

6. Da Relação Entre Dom João III e Dom Luís


6.1. Dom João III nunca foi amigo de Dom Luís, e tornou-se inimigo figadal depois de lhe ser retirada a primogenitura em favor dele. Sempre foi difícil e tensa a convivência dos dois irmãos. Dom João III aceitou-o ao seu lado por não ter forças para rejeitar a decisão tomada por Carlos V. Mas este último, depois de tentar o Duque com dinheiros e domínios fora de Portugal, foi obrigado a aceitar a divisão do poder real de Dom João III. É uma situação esdrúxula que mostra quão pouco poder detinha o rei sobre o reino de Portugal. Dom João III nunca desistiu do intento de afastar o irmão do reino, e passou todo seu reinado à procura de meios que o destruíssem. Tanto Carlos V como Dom João III tentaram tirar Dom Luís do reino por meio de casamentos com princesas e duquesas de outros países. Vários casamentos foram arranjados para o Duque, a fim de banir sua linhagem de Portugal de modo pacifico. Mas, a firmeza de Dom Luís frustrou os planos deles, que passaram a outras ações. A intenção de Dom Luís era permanecer no reino e gerar um herdeiro. Para tanto, buscou uma esposa sem ligação com a corte de Dom João III, para gerar um filho que o sucedesse na sua casa, e também no trono. Não se tratava de pensamentos ocultos, mas de decisão sabida por todos.


7. Dom João III Retira os títulos de seu irmão Dom Luís


7.1 A Liga Esmalcalda foi criada pelos príncipes e chefes protestantes para defenderem o direito à suas liberdades de crença, e os seus Estados da invasão por Carlos V, e dela fazia parte Dom Luís. Mas, com a vitória de Carlos V na guerra de Muhlberg, a Liga foi dissolvida junto com a Casa de Wettin. O Tratado de Augsburgo foi assinado em 25 de setembro de 1555, e por ele foi criada a política do Cujus regio eius religio que dava aos reis e príncipes o direito de ter uma religião oficial em seus domínios. Apesar de a liberdade religiosa não alcançar a todos, a guerra cessou, dando aos católicos e protestantes tempo para se mudarem para a cidade de sua religião. Com a extinção da Liga Esmalcalda e a Casa de Wettin, Dom Luís deixou de contar com o apoio das forças protestantes; e as forças do reino que lhe eram leais, eram diminutas perante Carlos V e seu irmão Dom João III. De imediato foram-lhe retirados os seus títulos, domínios e senhorios, ficando-lhe o Priorado do Crato, que não estava ligado à coroa. Nada lhe restou, nem mesmo o título de Duque de Beja, que lhe foi dado por nascimento. Dom João III tirou-lhe os títulos na sua ausência, pois voltava do conclave da Paz de Augsburgo. Não teve auxílio de fora para recobrá-los porque nenhuma nação da Liga tinha exércitos, e cada um usava as forças restantes em organizar seus reinos devastados por nove anos de guerra. Dom Luís não teve tempo para agir em sua defesa porque os trabalhos terminaram em 25 de setembro de 1555, e o tempo gasto no regresso, deve ter sido de um mês. Como ninguém estivesse satisfeito com sua atuação no Congresso, é provável que tenha sido atacado na fronteira, por ter frustrado os sonhos acalentados por Carlos V de ser o segundo Carlos Magno. A recepção em Portugal foi de pesado confronto. Cremos que entrou em Portugal por Bragança, desceu para Torre de Moncorvo, e, dali para Santarém, mas, chegando à Marvila, que é de Santarém, foi cercado pelas tropas de Dom João III, perecendo ele e todos que com ele estava. Dom Luís morreu em batalha contra seu irmão Dom João III, e sucumbiu no dia 27 de novembro de 1555, dois meses depois de assinada a paz de Augsburgo. De posse dos documentos, o rei fez deles o que melhor proveito trouxesse para si. Seus títulos de Duque de Beja; Senhor de Moura; Condestável de Portugal e outros foram incorporados à coroa, ficando-lhe a Ordem Militar de São João de Jerusalém. Dom Luís não compareceu ao conclave para mediar a paz entre Francisco I e Carlos V, porque não era disso que se tratava. Mas, ele foi mediador da paz entre todos os protestantes e católicos. Ali compareceu como rei aliado dos protestantes e não como amigo de Carlos V. Dom Luís foi o mediador da paz que lhe custou a vida, o trono, e a sua descendência.

8. Dom Luís Patrocina a causa dos Judeus, e Rompe Definitivamente com Dom João III


8.1. Desde os tempos de Dom João II, que Castela tentava implantar a Inquisição em Portugal. Dona Brites, mãe da rainha Dona Leonor, foi uma grande aliada de sua prima Isabel de Castela, a católica, e incitava o povo contra os judeus. Chegou a matar bastantes deles e tomar os seus bens. Dom João II, a custo, reprimia suas ações por ser inimigo de Castela, e por condenar tal coisa. A rainha Dona Leonor continuou os trabalhos de Dona Brites e advogou a causa da Inquisição, sendo impedida por Dom Manuel. Mas, aproveitando a insurgência do seu sobrinho Dom João, criou o tribunal do Santo Ofício, onde julgava os judeus, tomava-lhes os bens, prendia uns e matava outros. O tribunal estava a cargo do Conde Dom Henrique, seu sobrinho, que o  presidiu. Já se tinha pedido ao papa um Breve para instalar a inquisição em Portugal, mas foi negado por entender o papa que não havia perigo, visto que os protestantes e judeus eram poucos. Mas o tribunal do Santo Ofício nunca deixou de funcionar. Assim como seu pai, Dom Luís já desaprovava essas coisas e mais aversão teve depois de se tornar protestate. Indo visitar a sua irmã Dona Isabel, conheceu os embaixadores da Liga Esmalcalda, que foram à Espanha negociar a paz com Carlos V. Dona Isabel reinava na ausência de Carlos V e  ouviu a palavra de Deus. Tocada pelo Espírito Santo, aceitou a Jesus e se tornou protestante, recebendo uma bíblia autografada por Martinho Lutero. Dom Luís também se tornou protestante e, voltando a Portugal, combateu as ideias dos seus irmãos, sendo apoiado pelo Cardeal Dom Afonso, seu irmão mais novo. Este Cardeal ousou apontar ao rei os erros da Inquisição e repreendeu-o por perseguir a Dom Luís, pagando com a vida sua ousadia. Esposando a causa judaica, Dom Luís refreou a perseguição e impediu que se implantasse a Inquisição no reino, usando dois argumentos: as origens portuguesas e o amor cristão. Tentaram fazer papa ao Cardeal Dom Henrique, para que facilitasse a política de Roma em Portugal, com um canal direto, diminuindo a interferência dos cardeais e bispos contrários. Dom Luís interveio, impedindo o envio das cartas que lhe dariam a vitória. Este trânsito livre criado dentro de Roma, pela eleição do Cardeal Dom Henrique, levaria Carlos V a um grau de força que submeteria ou exterminaria todos os protestantes e judeus da terra.


9. Infante Cardeal: aliado Fiel do Rei Dom João III


9.1. O Cardeal Dom Henrique sempre foi fiel a Dom João III. Tinha com o irmão muita afinidade e tornaram-se muito amigos quando atuaram juntos no tribunal do Santo Ofício. Era o elo confiável entre a Santa Sé, Carlos V e Dom João III. Intervinha em favor de Dom João III, junto à Roma e auxiliava nos planos contra Dom Luís, a quem via como um traidor da Santa Madre Igreja Católica. Mas, em 1533, o cenário mudou quando o rei Henrique VIII da Inglaterra tornou-se protestante, saiu da Santa Liga, presidida por Carlos V, para fazer parte da Liga Esmalcalda, presidida por Lutero, fortalecendo os protestantes. A atuação do Cardeal se fez  mais necessária porque o papa ficou impedido de se opor a Dom Luís por não querer correr o risco de aproximar Portugal do protestante rei inglês. Carlos V também se recolheu ao silêncio, e como chefe da Santa Liga, temeu perder Portugal para a Liga Esmalcalda, que poderia destronar Dom João III. Toda a corte e o povo estavam inclinados ao rei Dom Luís, e o Cardeal estava livre para combatê-lo com os meios que lhe caíssem às mãos. Foi muito útil em demonstrar as qualidades de Dom João III como rei pacífico, que suportava todas as provações pelo bem do seu povo ao ponto de lhe granjear a alcunha de Piedoso. Fazia também as intrigas para criar antipatia entre as casas que apoiavam Dom Luís para lhe retirarem o apoio e passarem ao Piedoso. Em tudo o Cardeal era chamado, e ao rei se unia na luta pelos mesmos ideais. Nunca abandonou o rei Dom João III e tudo fez para o bom sucesso dos seus planos. Estando Dom João III em seu leito de morte, pediu ao Cardeal que nunca permitisse que o filho de Dom Luís chegasse ao trono. Assim fez o Cardeal.

10. Dom João III Vê seus Filhos Todos Morrerem, Enquanto Dom Luís Casa e Gera um Unigênito


10.1. Dom Luís era casado e seu casamento não era morganático. Dona Violante Gomes não era uma desconhecida porque frequentava a Corte até ser presa no Convento por Dom João III. Assim como Teresa Lourenço não era filha do sapateiro da esquina, mas era Teresa Peres de Távora. Ambas eram da casa de Távora, cuja linhagem procedia de Ramiro, rei de Leão. Este rei Ramiro nada tem de Castela, porque provém da Borgonha, do mesmo tronco do Conde Dom Henrique. Leão foi comprada, como muitas outras cidades da Espanha, e ocupada pelos chamados cátaros. Estes cátaros eram os judeus e judeus protestantes da Borgonha, que fugiam das guerras de religião. Bragança pertencia a Mendo Alão de Barca, descendente dos generais Barca de Cartago, e foi comprada pelo Ducado da Borgonha. Chamou-se Barcança pelos tratados feitos entre eles e foi dada aos Távora para a povoar porque já moravam próximo. As possessões dos Távora ficavam nas terras às margens de um rio a que deram seu nome para demarcar suas posses. Grande parte das terras do Norte foram distribuídas entre os chefes da casa dos Távora que acomodavam nela todos os que ali chegaram fugidos das perseguições religiosas. Era um dos lugares com maior índice de judeus protestantes e não protestantes. Lourenço Pires de Távora era senhor de Torre de Moncorvo, que tomou este nome por ser chamado o Corvo, cujo Brasão d`Armas é uma torre com dois corvos de cada lado, que olham um para o outro. Casou com Leonor da Cunha Coutinho, e o Condado de Marialva surgiu deste casamento. Vasco Fernandes Coutinho não tinha terras porque era cavaleiro andante e fazia parte dos Doze de Inglaterra, dentre os quais o mais ilustre é Álvaro Gonçalves Coutinho - O Magriço. Há notícias de que o pai de Magriço, em 1408, recebeu as terras de Penedono por serviços prestados a Dom João I. Lourenço Pires de Távora era, também, Segundo Senhor de Mogadouro. Por ser da linhagem de Lourenço Pires de Távora, o Corvo, Dona Violante Gomes foi alcunhada de Pelicana. Pelo lado materno, descende de Dom João II, rei de Portugal, que casou com Brites Anes, descendente de Estêvão Peres, o Barbadão. A rainha Dona Leonor divorciou-se de Dom João II, por ter ele matado o Duque de Bragança e o seu irmão Dom Diogo, Duque de Viseu.


10.2. Dom Luís não manteve seu casamento secreto porque vivia com Dona Violante na corte, e passava os verões em Sintra com toda a família. O Duque não seria tolo de ter uma concubina, e também, não andaria contrário à fé protestante, mas casou para gerar um filho que herdasse sua casa e todos os seus direitos, inclusive o trono. Por dez anos viveu com Dona Violante. Seu filho Dom António nasceu em Lisboa, e aí foi batizado. Estudou em Coimbra e foi criado em casa do seu tio, o Cardeal Dom Henrique. Frequentava a corte quando Dom João III morreu. Depois que a rainha Dona Catarina foi para a Espanha, Dom António passou a  viver com o rei Dom Sebastião, de quem se tornou amigo. Assim foi porque o Cardeal Dom Henrique se tornou regente, ficando a seu cargo o cuidar do rei Dom Sebastião, que era menino.

11. A Crise Dinástica de 1578-1580


11.1. Não houve crise dinástica no reino de Portugal, em 1578, mas a conclusão dos planos da Espanha, já de longo tempo arquitetados. Pelos preceitos genealógicos, Filipe II nenhum direito tinha à coroa de Portugal. Como filho de Carlos V e Isabel de Portugal, nada ampara suas ambições ao trono de Portugal. A rainha Isabel de Portugal deu à luz filhos para a casa de Carlos V, como mulher deste, e não para a casa portuguesa. Ademais, casando a princesa com rei ou príncipe de outro país, perde todos os direitos a qualquer título do seu país natal. A cerimônia de entrega da noiva na raia, a leitura dos papéis de entrega, a troca dos papéis, e a ordem expressa de não passar ninguém do reino, senão aqueles que acompanharão a princesa, são atos para fixar a regra de não ingerência e dos direitos de ambos os reinos. Quando Luís XVI de França casou com Maria Antonieta, a cerimônia se deu numa ponte, e só passaram para a França aqueles que iam a serviço dela, pois ela deixava de pertencer à corte da Áustria para ser rainha. Dona Catarina, como mulher do Duque de Bragança, nada tinha a ver com sucessão. Seus direitos estão restritos aos do Duque, seu marido. Era filha secundogênita de Dom Duarte, que não era ramo cadete. Portanto, o Cardeal Dom Henrique simulou um leilão do trono português, tendo Filipe II o lance vencedor. No caso do Cardeal, nenhum direito o assiste, vez que não era ramo cadete, mas promoveu tamanha desgraça, movido por profundo ódio a Dom Luís, por ser da Santa Liga, por fidelidade ao irmão Dom João III, por estar amarrado a Fillipe por muitos segredos que precisavam ser mantidos ocultos. Sobe ao trono para matar a linhagem de Dom Luís, cujo filho era herdeiro por todos os títulos. Ainda que Dom Luís não tivesse recebido o direito de primogenitura, era Duque, o segundo na linhagem direta, não um ramo cadete. Na ausência de herdeiros do rei, o Duque, que é o segundo na linhagem, sobe ao trono, e seu filho o sucede. Para mais confirmar os direitos de Dom António, seu pai Dom Luís recebeu a primogenitura de Dom Manuel; foi rei aos 29 anos e reinou por 20 anos. Como irmão mais novo de Dom Luís, o Cardeal Dom Henrique tinha o dever de entregar a coroa a Dom António e aclamá-lo rei, tão logo chegasse a Lisboa. Seu dever como membro da casa real era assumir a regência na menoridade de Dom Sebastião, que contava seis anos, e de Dom António, que estava com 10 anos. Dona Catarina não podia reinar porque era da casa que cometeu o esbulho contra Dona Joana, a herdeira do trono de Espanha. Não havia direito nenhum a partilhar com ninguém. Mas, tendo morrido o rei Dom Sebastião no desastre de Alcácer Kibir, Dom António era o sucessor natural por ser filho de Duque e por ter herdado a primogenitura de seu pai Dom Luís, porque o disposto no testamento não é revogado por morte do seu herdeiro, mas passa ao filho deste. Esta é uma tão firme verdade que Carlos V se dobrou a ela, dando a Dom Luís o direito que tinha ajudado Dom João III a usurpar. Está confirmado que Dom António era filho de rei, da mesma Casa de Avis, satisfazendo todas as exigências genealógicas e de capacidades governativas que fossem exigidas. Como filho do Duque, segundo na linha sucessória; herdeiro do direito de primogenitura, confirmada por ter reinado 20 anos, não havia o que discutir. Dom António foi aclamado rei por todos os portugueses fiéis, que estavam cientes de toda a verdade, e pelo povo, que não ignorava esses factos. Não foi coisa nascida de algum movimento popular, e por um povo enganado por arengas flamejantes, mas os bons portugueses ao par dos factos, e das cidades a ele fiéis.

12. O Infante Cardeal coroa-se rei Precipitadamente com a intenção de impedir a ascensão de Dom António ao Trono, por temer que este tivesse sobrevivido à Batalha de Alcácer-Quibir


12.1. Lendo a pouca informação que temos sobre a Batalha de Alcácer Kibir, depreendemos que ela foi preparada para ter um mau desfecho. Todos esperavam um fim ao estilo de Jó: “...Pereceram todos, só fiquei eu para trazer a nova…”. Lembremo-nos de que Carlos V tinha feito guerra para retomar Túnis e devolvê-la ao Mulei Mahamede, que ficou seu tributário. Em 1574, a cidade foi capturada pelos otomanos e Filipe II da Espanha nada fez. Conta-se que Dom Sebastião foi ter com Filipe e, com ele, tratou das bodas com sua filha porque não podia sair do reino sem ter um sucessor ao trono. Do relato não consta se houve casamento, nem o nome da noiva é citado.  Prosseguindo a loucura, Dom Sebastião escreveu uma carta a João de Mendonça, dizendo da guerra que ia fazer ao mouro,  da qual, transcrevemos um trecho muito esclarecedor: “Assim, pela natureza da mesma terra, como por seu grande poder, que quando assim acontecesse, que Deus não permita., visto é quantos males sem remédio poderiam recrescer a toda Espanha que da Cristandade se pode dizer que é hoje a melhor e maior parte, e com este intento queria que não somente cuidareis nesta matéria e a discorrereis para me nela dardes parecer e conselho no que farei e devo fazer”. A loucura não é de Dom Sebastião, mas foi inspirada pelo Cardeal, por Filipe, os Bragança e todos os filhos dos que participaram da revolta contra Dona Joana, a Excelente Senhora, a Beltraneja. Na verdade, essa loucura bem tecida foi plantada na mente de Dom Sebastião e teve início nas mentiras em que dizia ter Dom Luís tentado usurpar o trono do seu pai Dom João III. Assim como fizera o pai, o filho Dom António faria a ele, Dom Sebastião. A desconfiança e a animosidade caíram no seu coração e ele tirou Dom António da administração de Tânger, tentando afastá-lo do seu convívio na corte. Filipe prometeu ajuda na guerra ao mouro, que seu sobrinho Dom Sebastião faria para defender Granada dos Andaluzes. A vassalagem de Portugal era tal, que nosso rei foi à guerra para defender uma cidade espanhola que não sofria ameaça nenhuma porque os Andaluzes ficam no mesmo território espanhol. E para mais, não era assunto português a defesa de domínios espanhóis. Terminada a visita de Dom Sebastião, Filipe comenta com sarcasmo, dizendo que, para vencer a guerra, seu genro deveria ser muito esperto, ou o delicioso fruto de Portugal já estava maduro. A traição estava às claras e era por todos sabida, só não o sabia o rei e Dom António. Esperavam que de lá voltassem os que sabiam o que ia ali ocorrer e a venda das almas capturadas fazia parte do trato com os mouros. O alvo principal era Dom Sebastião, por ser o último da linhagem do primogénito, porque, então,  estaria o trono vazio para Filipe. O Cardeal de tudo participava e de tudo sabia, mas deixou que sacrificassem o rei, entregando o reino a Filipe. Chegando as primeiras notícias do esperado desastre, O Cardeal correu para o trono sem buscar saber do destino do pobre rei Dom Sebastião, demonstrando estar ciente de que morrera na batalha. Não procurou saber que amargo fim tivera; nem cuidou de resgatar seu corpo, para o pôr no mausoléu da família; não mandou as igrejas rezarem por sua alma, e não cumpriu o período das exéquias. Pressuroso subiu ao trono, sem pejo de mandar que lhe buscassem uma mulher para gerar um herdeiro. O Cardeal correu para o trono a fim de segurar o lugar para Filipe. Era apenas mais um passo do protocolo tratado com Filipe, a quem devia obediência. Mas Deus tinha outros planos e, tal qual Jerusalém, Portugal não iria desaparecer sob o manto da impiedade da Espanha e traição da própria família. Lembrou-se Deus da promessa feita ao rei Dom Afonso Henriques, e livrou o herdeiro do trono, preservando sua casa. Filipe, o Cardeal Henrique, e os traidores, não sabiam que Dom António estava vivo e era uma testemunha ocular de todo o ocorrido na batalha. Ele não foi poupado por causa de um colar, ou outro sinal que trouxesse consigo, nem pela mentira de que se tratava de um voto. Ele era bem conhecido dos mouros que atacaram o exército, pois governara Tânger e era muito benquisto entre eles. Ao vê-lo, reconheceram-no, agarraram-no, e o levaram consigo para que não fosse morto. Não o prenderam, mas o levaram para uma tenda do acampamento que tinham no caminho para Arzila, onde lhe deram roupas humildes para melhor escondê-lo até que pudesse ir-se a salvo. Estando todos ocupados, em recolher os despojos e as almas para trocá-las por dinheiro, veio a Dom António um judeu, que pagou um pequeno resgate e financiou sua volta à corte. Estando a caminho, escreveu cartas, falando de todo o sucedido na batalha. Filipe ignorava esse facto e preparava a sua entrada festiva no reino de Portugal. Estando na fronteira, com sua corte, vestida em trajes de festa,  para sua aclamação em Lisboa, recebe um correio com a notícia de que Dom António vivia e estava a caminho de Portugal. Estava  deflagrada a crise sucessória de 1578-1580.

13. Dom António Regressa da África e, em Portugal, exige a coroa do Trono a seu tio, o Infante Cardeal


13.1. Voltando da guerra, Dom António foi interceptado pelo Duque de Medina Sidônia, a mando de Filipe II. Sob o pretexto de dar-lhe uns dias de merecido descanso, reteve-o até que Filipe  tratasse com o Cardeal Henrique o que fazer. O que lhes pareceu mais acertado foi que o Cardeal Dom Henrique corresse para o trono, cingisse a coroa, com a aclamação dos que lhe estavam próximos, ficasse rei sem reunir cortes, antes que seu sobrinho chegasse. Apresentou-se Dom António como herdeiro natural do trono, onde já  estava o Cardeal, e dele exigiu o seu direito de sucessão. O Cardeal Henrique já respondeu com dureza mandando-o sair de Lisboa, aumentando sua agressividade a cada investida de Dom António na luta pelo seu direito.


13.2. Este é um período tão emaranhado de contradições, que somos forçados a começar seu deslinde pelo Priorado do Crato, cuja origem é a Ordem Militar de São João de Jerusalém. Os primórdios dessa Ordem estão ligados a Raimundo, primo do Conde Dom Henrique, que casou com Elvira, filha de Afonso VI de Castela e Ximena Moniz, que é da Aquitânia e nada tem de moura, mas é parente de Egas Moniz. Este Raimundo era dono de Tolosa, que nunca foi doada por Afonso VI, mas foi comprada pelo Duque da Borgonha, tendo ele vivido nela por algum tempo. Vendeu Tolosa e foi viver em Jerusalém. No caminho para a cidade construiu um prédio, que se chamou Hospital porque socorria os peregrinos que rumavam à Jerusalém. Depois da morte de Raimundo, o Hospital ficou em poder da igreja católica, que criou a Ordem dos Hospitalários; veio para Portugal por direito de herança, por faltar herdeiros ao Conde Raimundo. O Crato é o lugar onde se estabeleceu a Ordem Militar de São João de Jerusalém, que é a sua sede. Ora, se é sede não pode estar sujeita a ninguém, porque é onde está o poder da Ordem. Mas, a Ordem de Malta está ligada a ela porque não podia dividir a herança de Raimundo, e não se dispunha a abrir mão daquele bem. Para a Casa portuguesa nunca houve exigência de coisa alguma, por ser herança de Raimundo, bisneto de Roberto II, rei de França.  Portanto, a Ordem não estava adstrita ao regimento de Roma. Não tinha o rei Dom António nenhuma obediência a dar ao papa, e nunca esteve destinado à vida monástica, nem a fazer votos de qualquer natureza.


13.3. Dom António foi viver com o Cardeal aos oito anos de idade, por estar sua mãe presa no Convento de Almoster. Dom João III mandou Dona Violante para o convento após ter notícia da paz de Augsburgo. Como Dom Luís ainda estivesse em viagem de regresso a Portugal,  não podia acudir a família. O grosso de suas tropas estava com ele, e os que estavam em Portugal foram atacados, e os que escaparam, refugiaram-se em suas terras, outros fugiram porque a ira de Dom João III caiu sobre eles de súbito. Diziam até que Dom Luís não entraria mais em Portugal. Porém, ele veio até Marvila, que é de Santarém, onde foi cercado pelas tropas de Dom João III e morto. Dom João III lá não foi, mas mandou trazer o corpo e o meteu na sepultura sem cerimônia nenhuma. Seu filho Dom António foi levado para a casa do Cardeal Dom Henrique e cresceu aos seus cuidados. Dom António era tido como rebelde porque não se curvou ao ensino do Cardeal Dom Henrique. Firmou-se nos ensinos de seus pais e deles não se apartou até à morte. Sua mãe não era cristã nova, mas era tão judia quanto qualquer português, pois não há português que não seja judeu. Pesa contra ele a acusação de ser filho de uma judia e de um protestante luterano. Dom António jamais se ligaria a uma prostituta, nem a uma amante, mas tinha em mente restaurar o nome e os direitos do seu pai. Não sabia ao certo as circunstâncias da morte de seu pai, mas tinha consciência dos esbulhos contra ele praticados. O Cardeal não considerou nenhuma dessas verdades, mas mandou Dom António sair de Lisboa, mas, insistindo o Prior na luta pelos seus direitos, o Cardeal desnaturou-o e destruiu os seus documentos. Às ocultas, Cardeal vendeu o Brasil à Dona Catarina de Bragança para que auxiliasse na invasão de Filipe. Dom António esperava que Roma reconhecesse o seu direito pelo Breve que o papa tinha enviado. Nesse ínterim, morreu o Cardeal, sem reconhecer o direito de Dom António e sem indicar ninguém para regência. Estando em Santarém, Dom António reuniu cortes com os seus e foi levantado por rei. Filipe, que aguardava na fronteira, com suas tropas, invadiu Portugal, por Elvas e por Alcântara e o rei Dom António saiu para defender a Capital Lisboa. Além de as tropas de Dom António serem inferiores em número, havia no meio dela muitos traidores, e um deles alvejou-o com dois disparos na cabeça, de que caiu ferido. Saindo Dom António do combate, as tropas se dispersaram e todos fugiram. Filipe entrou em Lisboa e tomou o reino.

Parte III – Do Direito de Primogenitura

14. Origem da Família Real na História


14.1. A Família Real é um fenômeno humano. É Real porque decorre da realidade. Assim como não há sociedade sem direito, e não há direito sem sociedade, também não há seres humanos sem família, e não há família sem seres humanos. E, historicamente, entre as famílias de um agrupamento social sempre houve uma família principal, que é considerada assim devido a certas características que possui como por exemplo a antigüidade. É importante notar que em tempos remotos, uma das fontes de direito eram os fenômenos naturais. E um fenômeno natural de fundamental importância até hoje é o tempo. Portanto o tempo sempre foi utilizado como critério para definir direitos. E foi esse o critério utilizado para definir a titularidade de um outro fenômeno derivado da condição humana: o governo.


14.2. Uma das características do Homem é a reprodução. Filhos são gerados pela união de um homem e uma mulher. Ocorre que o aparecimento de novos indivíduos obedece uma ordem no  tempo. Desde o alvorecer da existência humana, pelas próprias condições do homem, foi impossível que dois indivíduos nascessem exatamente ao mesmo tempo. Ainda que fossem gerados simultaneamente (gêmeos), o nascimento determinava uma ordem cronológica para eles. E assim foi costume de todas as sociedades classificar os filhos pela ordem de nascimento, criando termos para os distinguir como por exemplo, primogênito, secungênito, e caçula. Como já dissemos, o tempo é um fenômeno amplamente utilizado para criar, modificar ou extinguir relações. Até mesmo para se adentrar num autocarro, muitas vezes se utiliza esse critério cronológico que é dar a preferência de entrada para quem tiver chegado primeiro. Esse parâmetro temporal foi e ainda é largamente utilizado pelo mundo inteiro, e nas antigas sociedades foi usado para estabelecer muitos direitos, pois é um critério visível e objetivo.

14.3. Outra necessidade do Homem sempre foi tomar decisões, e pode fazê-lo por si somente, ou também pode fazê-lo pelo grupo de pessoas no qual está inserido. Nas sociedades antigas, como dizem, “patriarcais”, o pai de família é o chefe, aquele que toma as decisões que afetam a todos de seu grupo. Porém, morrendo o pai de família, necessariamente outro terá que tomar as decisões coletivas, isto é, terá o governo da família. Está aí configurada a sucessão de governo, cujo critério adotado para conferir essa autoridade é o cronológico. Quem sucede o pai é o primogênito, o que primeiro foi gerado de seus lombos. É esse fenômeno que estabelece o Direito de Primogenitura, que é espécie do Fundamento da Preferência. O Direito de Primogenitura é estabelecido consoante a ordem de nascimento, e por ele também se estabelece o titular do governo. Portanto, dentre os filhos de uma família, morto o pai, o direito de tomar as decisões que envolvem a todos do grupo familiar passa a pertencer ao filho mais velho, isto é, o primogênito. Até mesmo a mãe do primogênito fica submetida ao seu mando.


14.4. Por decorrência lógica, o critério cronológico se projeta para além do grupo familiar. A família é a célula mater da sociedade, por isso suas características são projetadas para níveis sociais mais complexos, passando a existir uma simetria nas regras existentes entre a família e esses níveis sociais. Se o filho sucede ao pai no governo da família, então a mesma regra é adotada para com o neto, o bisneto, e assim em diante. A primogenitura, usada para estabelecer a autoridade entre os irmãos, também passa a estabelecer a autoridade entre as famílias. Assim surge a “família primogênita”, que se traduz na linhagem mais antiga, pois descendente de um primogênito. E por isso o chefe dessa linhagem mais antiga passa a ser distinguido por um nome, que varia de acordo com os diferentes povos da terra, e.g. rei, czar, delfim, infante, duque, príncipe. Em Portugal o título de Príncipe passou a existir no reinado de Dom João I. Esses títulos são usados para identificar os expoentes da família mais antiga dentro de uma sociedade, e por família antiga devemos entender aquela que possui a primogenitura, pois às vezes primogenitura e antiguidade podem não estar presentes ao mesmo tempo.


14.5. Há muitos que dizem que o príncipe nada mais é do que o principal entre os seus pares. Não deixa de ser verdade, e ele é o principal porque detém o governo de seus pares. Como visto acima, da necessidade de ordem surge o Direito, que na época foi estabelecido em função de fenômenos objetivos, alcançando assim a segurança jurídica de que todos necessitavam. Porém, em razão do crescimento populacional de uma nação, surgiram situações em que mais de uma pessoa detinha o governo dentro de uma sociedade que possuía os mesmos patriarcas, isto é, tinha a mesma origem. A sociedade se dividia em subgrupos de mesma origem. Esse foi o caso dos filhos de Jacó, do qual procederam doze tribos, além da tribo de Levi. Cada tribo passou a ter seu príncipe, que se consideravam equivalentes em poder, mas só exerciam esse poder no âmbito da respectiva tribo. Após algum tempo, houve o aparecimento de um rei em Israel, proveniente da tribo primogênita. Pôde assim Israel ter um governo central ao qual os príncipes se submetiam.

14.6. Considera-se uma sociedade amadurecida politicamente quando passa a ter um rei, nos termos do Direito considerado acima, isto é, obedecendo aos critérios expostos acima, especialmente a origem. Se o rei tem a mesma origem de seu povo, há maior força nos laços que os unem. Embora o tempo traga muitas transformações sociais como, por exemplo, o aumento populacional e as migrações, a ligação entre uma comunidade que é natural de certa região terrestre, o rei, e o território em que habitam, torna-se muitíssimo forte e estável, o que garante sua perenidade. Não se deve olvidar, entretanto, que a índole humana é dada a certas paixões que muitas vezes ofendem o direito. Sempre houve na História quem pretendesse a um bem que não lhe pertencesse. Não foge a essa regra o governo, que sempre foi alvo de cobiça. E, das lutas que houve para se apossar do governo, sobrevieram prejuízos enormes para muitos povos, que perderam suas famílias reais e passaram a ser governados por tiranos. A perda de uma família real é algo devastador. É mesmo como se separar a cabeça do corpo. Uma nação ou povo sem família real é um Estado incompleto, à mercê de um governo qualquer, que quase nunca governará no interesse daquele povo ou nação. E por isso muitos povos e nações deixaram de existir com o tempo.


14.7. Como se pode claramente entender, o Direito antigo se funda em fenômenos naturais como a ordem de nascimento, a morte, o tempo, as medidas, etc. Daí surgir o termo “REAL”, pois os direitos provêm desses fenômenos naturais, considerados concretos, reais, objetivos. A influência religiosa certamente afetou essas relações, e por isso mesmo sempre houve conflito entre sacerdotes e reis. E muitas vezes na história foram os sacerdotes que reinaram ou tiveram grande poder sobre o rei em razão da capacidade religiosa de influenciar o povo. Por isso houve uma separação entre o “temporal” e o “religioso”. O facto de o rei se considerar legítimo devido ao “Direito Divino”, não significa um “Direito Religioso”. Até mesmo para combater as pretensões dos sacerdotes, o rei reafirmava sua autoridade como sendo dada por Deus porque a natureza era obra sua. E por natureza aqui entende-se todos os fenômenos deste mundo não provocados pelo Homem. Portanto o nascimento, a morte, o tempo, etc, são considerados fenômenos naturais, e por isso criados por Deus. Ora, se Deus os criou, foi essa a disposição do Direito que pretendeu. Portanto, quando se faz referência ao “Direito Divino”, na verdade se quer dizer que certos fenômenos naturais, criados por Deus, conferem legitimidade ao Rei para exercer o seu poder. Porém os direitos dos sacerdotes são afirmados em razão, no caso de uns, do ocultismo, e no caso de outros, da revelação.


14.8. Posteriormente surgiriam outras formas de organização social. Tudo o que foi produzido intelectualmente para desenvolver alternativas ao governo monárquico pode ser colocado no conjunto das “formas ideais de governo”, pois justamente oriundas das idéias criadas para substituir o governo monárquico. São formas IDEAIS de governo pois se contrapõem àquilo que brota da realidade, in casu, a Monarquia, que é corolário da natureza humana. Por isso a Monarquia sempre se valeu amplamente do termo REAL. O embrião dessas formas de organização política se deu na necessidade de se preencher as lacunas políticas surgidas pela extinção ou afastamento das linhagens reais, ou na necessidade de se criar uma estrutura hierárquica não concorrente com o poder real. A experiência grega veio dar fôlego a esse tipo de sistema de tal forma que atingiu um estado de autonomia contínua. Surgiu assim a democracia grega. Com o passar dos séculos, o exercício intelectual foi elaborando tais sistemas, tornando-os mais complexos, e adaptando-os às sociedades. Entretanto, não passam de criações mentais aplicadas à realidade, e por isso que alguns dizem haver tantas formas de governo quanto há sociedades.

15. A Família Real Portuguesa e o Direito de Primogenitura


15.1. O Direito Português da época medieval também observava as regras do “Direito Divino”. Como se disse acima, a ordem de nascimento é um facto claro, evidente, facilmente distinguível, e por isso foi usada para se estabelecer a regra da primogenitura. E por ter sido o Homem criado por Deus, a forma como o Homem se reproduz é também considerada obra de Deus, porque Deus o quis assim. Por isso que se fala em “Direito Divino”, porque a Natureza tem um certo comportamento em decorrência da vontade divina. Nessa esteira de idéias, considera-se a ordem de sucessão também um fenômeno natural. Se o direito português observa o Direito de Primogenitura, obviamente observa o Direito Divino, pois que aquele é conseqüência natural deste. O governo sempre pertenceu ao primogênito, podendo entretanto ser deslocada sua titularidade em certos casos, notadamente quando morre o primogênito.  Bem verdade é que houve na história dos povos sempre quem falseasse com a verdade para usurpar o governo, e Portugal não foi exceção, pois também na história da sua Monarquia, as paixões levaram muitos a tentar, e conseguir, se apossar injustamente do governo, fosse pela força ou pela fraude.


15.2. O Direito de Primogenitura da Monarquia portuguesa tinha dois pontos basilares: a ordem cronológica e a preferência varonil. A primogenitura sempre pertenceu ao filho mais velho. Portanto, embora o casal real tivesse eventualmente filhas mais velhas, havendo um varão, a titularidade da primogenitura era dada a este. Não satisfeitas essas condições, instalava-se o estado de “tirania”. Embora o senso comum entenda a tirania com a postura cruel de uma pessoa para com o povo (o que não deixa de ser também verdade, pois a exclusão do sucessor legítimo ao governo se assemelha à decapitação de uma pessoa), na verdade se trata de um governo exercido pelo “tirano”, que nada mais é do que aquele que se apossa injustamente do governo. O tirano “tira” o governo de quem o detém legitimamente. É preciso ter em mente esses dois pontos basilares, pois uma vez não respeitados, há transgressão do estado de direito.

Parte IV – Precedentes

16. Precedentes


16.1. De acordo com o conhecimento tradicional sobre as origens da família real portuguesa, a Dinastia Afonsina começa com o Rei Dom Afonso Henriques e finda-se no reinado de Dom Fernando I, que não deixou geração. Em razão disso, ocorre a chamada “crise sucessória de 1385”. A questão controvertida nuclear daquela crise recaía sobre a titularidade da primogenitura. Porém, em razão do poder conferido pela legitimidade, a primogenitura foi deslocada até o Mestre de Avis. O deslinde da causa se deu pela observância das regras do Direito de Primogenitura acima apresentadas. Em que pese ser considerado bastardo, Dom João I é filho do Rei Dom Pedro I, atendendo-se assim à ordem de sucessão. Essa crise sucessória de 1385 fixou para o direito português dois precedentes a serem observados sempre que situação semelhante ocorresse no futuro: no plano interno, que o filho bastardo figura na linha sucessória; e no plano externo que o Estado português se rege pela sua independência e soberania, não aceitando sua anexação, fusão ou qualquer outro tipo de união com outro Estado.


16.2. Importa deixar claro que não é comum os reis casarem-se com suas amantes. Sabe-se que muitos homens, antes ou depois de casados, por vezes criam com alguma mulher um relacionamento na forma de concubinato. No caso dos reis, é raro na história da Idade Média que venham a casar com a mulher com quem mantém um concubinato. Os filhos que são gerados numa relação de concubinato normalmente são reconhecidos pelos reis e, segundo a lei e os costumes, como dito no parágrafo anterior, figuram na linha sucessória do trono. Portanto não é exigido que se comprove nenhum casamento para que o filho bastardo seja considerado “legítimo” sucessor, até porque o tratamento dispensado a tais filhos é sempre o de bastardo, não querendo isso dizer alguma forma de menosprezo, e sim indicando que tal filho não pertence ao casamento principal. Em Portugal também sempre foi assim: os reis não se casam com as mães dos filhos bastardos. Não há certidão de casamento em tais casos porque o casamento não ocorre. Todavia o filho que é reconhecido pertence à linha sucessória do trono.


16.3. Acrescente-se ainda que o direito português adotou, por força da vontade social, não admitir a regência de rainha de origem estrangeira enquanto cônjuge sobrevivente. A sociedade portuguesa ressente-se quando o sucessor do trono ainda é menor de idade. Veja-se o exemplo dado pela história com o falecimento do Rei Dom Duarte. A Rainha, por ser castelhana, gera desconfiança no Reino sobre sua atuação como chefe de estado. Por isso iniciou-se forte rumor de insatisfação que terminou com a fuga daquela Rainha. O Regente que assumiu foi Dom Pedro, irmão do Rei Dom Duarte. Outro exemplo é o caso em que Dona Catarina, esposa do Rei Dom João III, viu-se constrangida a transferir a regência ao Infante Dom Henrique em 1562. Fica evidente então que toda a sociedade teme a ausência de vontade soberana que priorize os interesses alienígenas em detrimento dos nacionais, em razão das origens da rainha. E se nem almenos aceita-se que uma rainha viúva dirija o Reino, quanto mais inaceitável é que haja pretendente estrangeiro ao trono, como ocorreu em 1385 e depois em 1578. Aquele foi um momento feliz da história portuguesa, em contraste com este, que teve um infeliz desfecho. À semelhança do que ocorrera em 1385, levantou-se a questão da titularidade da primogenitura. Ocorre que, diferentemente da primeira crise sucessória, e como adiante se verá, houve a violação do Direito de Primogenitura, obedecido pela monarquia portuguesa há séculos.

Parte V – Da Coroação de Dom António

17. A Coroação de Dom António


17.1. A Coroação de Dom António é ato jurídico perfeito, praticado sob a obediência da legalidade e da legitimidade, observando-se as formalidades exigidas, especialmente diante momento que vivia a nação portuguesa. Foi pública, notória e cumpriu todas as formalidades da época para sua realização. Portanto, Dom António é um dos reis de Portugal. Isto é absolutamente algo que não se pode negar. A ausência do nome do Rei Dom António no rol dos reis de Portugal se deve tão somente à vilania de seus adversários. A coroação do Rei Dom António foi ato concretizado que se perfez, se integralizou, se fez completo, inteiro, porque foi praticado debaixo de uma ordem vigente, em consonância com a legislação aplicável naquele momento, e por isso é ato juridicamente perfeito. A partir do momento em que a coroação foi feita cumprindo todos os requisitos legais e de costume da época, passou a, definitivamente, compor o patrimônio jurídico de Dom António.


17.2. “No dia 21 de Junho Dom António partiu de Santarém para Lisboa. Entrou em Lisboa no dia 23 à tardinha, foi recebido pela Câmara de Lisboa e foi jurado com grande concorrência de povo.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.225).


17.3. É importante destacar que antes da coroação de Dom António o país foi abandonado. Em côrtes convocadas pelo Cardeal Dom Henrique foram designados governadores, também “defensores”, para o Reino até que a sucessão do Reino fosse resolvida, mas eles se deram à desídia, e prevaricaram no dever de presidir os trabalhos da sucessão, especialmente para designar os 11 juízes que decidiriam a causa. O título “Defensores do Reino” não é meramente decorativo, mas indica a função de dirigir as forças militares do país em caso de ameaça ou ataque estrangeiro. Ante a invasão de Portugal por Filipe II, os Governadores não tomaram nenhuma providência para defender o Reino, demonstrando estar de comum acordo com o invasor, e por isso tornaram-se traidores da pátria portuguesa. Como “Defensores”, tinham o dever de prover a defesa do Reino. Portugal ficou assim desamparado. O povo, que já via em Dom António o seu “Príncipe natural”, a ele acorre elegendo-o em seus corações como seu verdadeiro “Defensor”. Dom António foi o único que não fugiu, e teve de organizar a defesa do Reino às pressas, já com o invasor dentro de Portugal. Também Dona Catarina e seu marido o Duque de Bragança fugiram para a Andaluzia, que ficava… dentro do território espanhol. Ninguém ousou peitar Filipe II, senão Dom António, porque ele mesmo sabia que era o legítimo Rei de Portugal, e por isso a ele cabia essa tarefa que muitos dificultaram.


17.4. “No dia 25 mandou alguma gente para Setúbal onde os Governadores se deram logo aos preparativos da fuga. O povo apercebeu-se do plano, sublevou-se, correu a suas casas, cobriu-os de injúrias, apelidou-os de traidores. Três fugiram de noite pelas muralhas; valendo-se de cordas, fizeram-se ao mar, acompanhados de alguns nobres. Foram Dom João de Mascarenhas, Francisco de Sá e Diogo Lopes de Sousa. O Arcebispo, Dom Jorge de Almeida, foi para uma terra do seu arcebispado – Alhandra; e Dom João Telo de Menezes, antigo embaixador em Roma, para um seu casal. Diante desta fuga Portugal ficou sem governo. E o povo para se consolar hasteou a bandeira por Dom António.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.225).


17.5. Outro fato a destacar foi o reconhecimento que Dom António sempre teve dos países europeus, da África e da Ásia, sobretudo da França, Inglaterra e Holanda, além de Roma, que sempre admitiu ser Dom António legítimo herdeiro do trono português, mas nunca contrariou Filipe II pelas razões que adiante serão expostas. Dom António teve tratamento de Rei de Portugal e seus filhos foram tratados como príncipes.


17.6. “Dona Catarina escreveu para Londres a D. António, a significar o pesar que tivera pelos factos ocorridos, não obstante as providências que tomara, e pelo Capitão Pradin lhe garantia estar disposta a recebê-los em França porque ela e o seu filho empregariam todos os meios para o restituir ao trono de Portugal.”


17.7. “Ao prometido apoio da Rainha e Rei de França correspondeu o auxílio da Rainha da Inglaterra. O Conde de Leicester autorizou-o a instalar um arsenal em Wilhelmstad e a recrutar soldados no país; e ‘Drake, comandando uma nova esquadra, investiu contra Cabo-Verde e, logo em seguida, partiu a assolar a Virgínia e a Florida, causando enormes perdas aos espanhóis’.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.366).


17.8. “Dom António apelava para Roma. Mas Roma estava manietada pela omnipotência de Filipe II que, com todos os defeitos, era o maior esteio da Religião Católica na Europa e no Mundo. Filipe II sabia-o; e desta sabedoria procurava tirar o maior proveito da ordem política. A Santa Sé não podia aplaudir os actos de violência de Filipe II, já no campo da política internacional, já nas invasões e restrições dos direitos da Igreja; no entanto resignava-se, certa de evitar um mal maior, e convicta de que um desastre do Rei de Castela haveria de ter repercussões dolorosas na vida da cristandade. Portanto as cartas de D. António tinham apenas valor informativo, com o mínimo resultado prático para a sua causa e para a causa de Portugal livre e independente.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.376).


17.9. Embora vencido na Batalha de Alcântara e expulso do território português a condição de Dom António não se altera: ele foi Rei de Portugal. Depois da Batalha de Alcântara ainda permaneceu seis meses em Portugal continental. E os efeitos dessa condição de Rei continuam plenamente a existir, gerando efeitos, especialmente para os seus descendentes, que constituem a verdadeira linhagem real portuguesa. A coroação feita fulmina totalmente qualquer outra alegação anterior sobre o casamento de Dom Luís, sobre sua bastardia, ou sobre sua legitimidade como filho do Infante. Uma vez coroado, é porque todas essas questões foram ultrapassadas, confirmando-se a legitimidade de Dom António sob qualquer aspecto.

Parte VI – Da Usurpação do Trono pelo Infante Dom Henrique

18. A Sucessão de 1578


18.1. A primeira questão a se discutir quando se fala da Crise Sucessória de 1578-1580 é saber de que sucessão se trata. Ora, o primeiro nome que vem à tona é o de Dom Sebastião. Se a crise ocorreu pela morte deste Rei, trata-se então de saber quem o sucede. Então a pergunta é: por que o Infante Cardeal Dom Henrique assumiu o trono? De acordo com o Direito de Primogenitura, amplamente demonstrado acima, direito que o Reino de Portugal seguia há séculos e portanto exigia que fosse respeitado, a ordem de sucessão contemplava primeiramente Dom António, porque filho do Infante Dom Luís, que é irmão mais velho que o Infante Dom Henrique. Há quem abrace a versão repetida ao longo do tempo de que o Prior do Crato não estava na linha sucessória, mas isso não é verdade, o que foi demonstrado acima. Para se entronizar um novo rei, segundo a lei e os costumes do Reino de Portugal, era necessário cumprir vários ritos e procedimentos, sem os quais dava-se ocasião a diversas e perigosas suspeitas. E por isso a sucessão do Rei Dom Sebastião, reclamando o cumprimento da lei e dos costumes do Reino, deveria ter sido discutida nas Côrtes, adequadamente e no tempo correto. Recomendava a prudência o acompanhamento das notícias que chegavam de África. Tanto Dom António como o Rei Dom Sebastião estavam na mesma batalha. Era preciso saber se estavam vivos ou não. Frise-se aqui que era sumamente importante esperar para saber quem havia sobrevivido ou não. A Batalha de Alcácer-Quibir ocorreu a 4 de agosto de 1578. O Infante Cardeal soube do desfecho da batalha no dia 13 de agosto de 1578, e dirigiu-se para Lisboa, onde chegou no dia 16. Reuniu uma comissão que, após deliberação, entendeu que o Infante Cardeal fosse feito curador da nação, pois que não havia confirmação da morte do Rei Dom Sebastião. Porém, somente a 24 de agosto assumiu mesmo a função de curador do Reino. Entretanto, a 28 de agosto, soube-se que Dom António estava vivo, embora preso e ferido em Tetuan. Após ouvir essa notícia, e temendo que Dom António retornasse, tratou o Infante Cardeal de coroar-se rei no dia 29 de agosto, usando como pretexto para o fazer a carta que recebeu nesse mesmo dia confirmando a morte do Rei Dom Sebastião. Ora, se para assumir a simples função de curador foi preciso reunir uma comissão para que se deliberasse a respeito, por que o Infante Cardeal é coroado em público e raso, sem reunir-se as Côrtes? Um mês depois, no dia 29 de setembro, houve a notícia de que o Infante Cardeal, agora Cardeal-Rei, recebera carta de Dom António informando estar livre do cativeiro mouro, e que se achava em Arzila. Ocorre que, depois de ter chegado a Portugal, Dom António, ciente de sua condição, reclamou a Coroa portuguesa, e iniciou entendimentos com Roma para subir ao trono. Tudo parecia correr bem, exceto pela oposição que o Rei-Cardeal lhe faria, com o que Dom António já contava. Fica claro que o Infante aproveitou-se de um momento de vulnerabilidade do Reino e, movido por paixões pessoais, usurpou o trono português, causando grande dano aos interesses da nação portuguesa. Do momento em que senta no trono e daí por diante, o Infante Cardeal passa a ser a fonte mais forte a impulsionar a crise da sucessão portuguesa, tendo como motivação sua grande inimizade a Dom António.


19. A Coroação do Infante Dom Henrique é Nula


19.1. Portanto resta nula a coroação do Infante Dom Henrique, filho de Dom Manuel o Venturoso. À uma por ter sido feita contrariamente ao direito da época, desobedecendo-se o Direito de Primogenitura, e à duas por terem sido quebrantados os ritos da lei e dos costumes, sem haver deliberação por parte das Côrtes, e portanto sem observar a legalidade que os ritos e as formalidades exigem. A desobediência ao Direito de Primogenitura gera uma forte insegurança jurídica e política. Se o critério temporal não importa, então qualquer um pode ser rei, prevalecendo aquele que detiver mais força. Além disso a administração do Reino foi deixada a cargo de governadores pelo Rei Dom Sebastião, não participando dela o Infante Cardeal, que se encontrava em Alcobaça quando recebeu a funesta notícia. Isso demonstra que o Rei preferia vê-lo afastado do governo. Os governadores do Reino é que se reuniram com o Infante Cardeal, que criou uma comissão que o fez curador do Reino. E como curador, deveria ele envidar todos os esforços para tornar a trazer os portugueses ainda cativos sob a mão moura. Nem mesmo houve período de luto, bem como não houve nenhuma das solenidades que costumeiramente se faziam quando um rei português morria. Até mesmo nos tempos de paz, e quando há vários sucessores a garantir o trono, obedece-se a determinado intervalo de tempo até que se cumpram várias formalidades como, e.g., as exéquias, missas, reunião das Côrtes, para só depois se fazer a solenidade de coroação. Também não houve tempo hábil para as comunicações de praxe entre a Santa Sé e o Reino de Portugal, que lastreiam o surgimento da nova situação jurídica. Se era necessário abrir um processo para a sucessão no Reino, então deveria ter sido feito sem a coroação do Infante Cardeal, porque a sucessão é do Rei Dom Sebastião. E por desobedecer o direito e os costumes da época, principalmente o Direito de Primogenitura, é imperativo reconhecer-se que É NULA A COROAÇÃO DO INFANTE DOM HENRIQUE.


Parte VII – Da Abertura da Sucessão de 1580

20. O Concurso Criado Pelo Infante Henrique


20.1.  Caso se entenda que o Infante Dom Henrique continua a ser o sucessor do Rei Dom Sebastião, mesmo frente a robusta demonstração feita acima sobre a nulidade de sua coroação, cumpre então apontar os vícios da insólita sucessão do Cardeal-Rei, bem como os vícios de todos os atos praticados para afastar Dom António da linha sucessória.


20.2. Conforme já narrado acima, Dom António recorre à Santa Sé para que o Pontífice chame o Cardeal-Rei a emendar seus atos, devolvendo o trono ao seu legítimo possuidor. Informado por seu embaixador em Roma, Dom João de Zúniga, por meio de um ofício de 10 de janeiro de 1579, o Rei Católico ordena que tudo faça para impedir que Dom António obtenha êxito em suas pretensões. Essa intervenção é que faz surgir o “incidente de legitimidade” do Prior do Crato. Ao que parece, Roma se constitui juiz da causa da sucessão do Reino de Portugal, dentro do processo em que o Grão-Prior do Crato questionava a coroação de Dom Henrique, e aceita a exceção proposta por Filipe II. Este, que em nenhum momento foi parte no processo que Roma abriu, sustenta que é de concubinato a relação entre o Infante Dom Luís com Dona Violante Gomes, pais de Dom António, filho unigênito, pois não há registro do casamento respectivo. Ressalte-se, porém, que todos os envolvidos neste processo jamais puseram em dúvida a paternidade de Dom Luís: tão somente sustentam que a relação de Dom Luís com Dona Violante era de concubinato, e não de casamento, pois ausente a certidão de casamento. Para os tais, a inexistência de casamento formal elidia o direito de Dom António figurar na linha sucessória. Não há notícias em toda história de semelhante argumento. Talvez seja mesmo um caso único na história, pois os reis, ou membros das famílias reais, não casavam com as mulheres com quem tinham filhos fora do casamento. Era algo que a Santa Sé não permitia.


20.3. A Santa Sé aceitou a exceção de Filipe II e instaurou um incidente de legitimidade que paralisou o processo principal que estava a ser deduzido em Roma por Dom António. O incidente de legitimidade então perde o seu objeto, e o processo fica extremamente tumultuado quando o Cardeal-Rei cria um concurso dentro do incidente de legitimidade. Tal concurso criado pelo Infante Dom Henrique corrobora a tese da nulidade de sua coroação. Se o Infante Cardeal se tinha feito rei legitimamente, para que então chamar pretendentes ao trono? Essa situação teratológica só pode ter cabimento mesmo em tempos de desordens! Como é que se trata de sucessão de pessoa viva? Pergunta-se novamente: de que sucessão se tratava? Se era a sucessão do Rei Dom Sebastião, por que o Infante Cardeal foi coroado rei? Se era sucessão do Cardeal-”rei”, por que ainda estava ele vivo e tratando da sua própria sucessão? Além disso, ele estava extrapolando os poderes delegados por Roma, pois o Pontífice jamais lhe deu poderes para ser juiz do incidente de legitimidade e muito menos juiz de sucessão nenhuma.


20.4. “Uma outra razão apresentou o procurador de D. António a fundamentar o seu apêlo: o facto de El-Rei ‘mandar dar vista aos procuradores assertos da Senhora D. Catarina e do Senhor Príncipe de Saboia e do Senhor Rainúcio de Parma, não sendo os ditos senhores partes, nem tendo a acção na causa principal da sucessão do reino (...)”. (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.46).


20.5. Regia as sucessões, naquela época, o droit du saisine, que determina a transferência imediata da titularidade do patrimônio pertencente ao de cujus.


20.6. “O droit de saisine tem sua gênese no direito medieval, em idos do século XIII. Nesta época, o senhor feudal institui a praxe de se cobrar pagamento dos herdeiros de seu servo morto para que fossem estes autorizados a se imitir na posse dos bens havidos pela sucessão.
Assentou-se, então, no direito costumeiro parisiense, a fórmula Le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche, com o escopo de defender o servo desta imposição senhoril. Em verdade, tal instituto, consagrado pela doutrina francesa, traduz o necessário imediatismo na transmissão dos bens do de cujus aos herdeiros. Tal transferência se concretiza com a morte do antigo titular dos bens (le mort saisit le vif, vale dizer, o morto é substituído pelo vivo).
Informa Jacques Krinen que a expressão le mort saisit le vif apareceu a primeira vez em 1.259, em julgamento de imigrantes. Um ano depois, tal expressão foi ressentida nos tribunais franceses, tornando-se verdadeira regra geral no direito da França. Em 1.384, em notas de audiência do Parlamento, evidenciou-se a agregação do instituto referido no direito consuetudinário daquele país, expresso no princípio geral de que o herdeiro vivo substitui o de cujus.
Pondera Caio Mário da Silva Pereira que o droit de saisine não foi uma peculiaridade francesa, porquanto tal instituto já era proclamado no direito germânico, ou ao menos admitido, quando da adoção da fórmula: Der Tote erbt den Lebenden.
A expressão saisine originou-se do latim sacire, significando apoderar-se (posse de bens). Destarte, expressa a transmissão, desde logo, dos bens do de cujus aos seus herdeiros.” (SILVA, Rodrigo Alves. José. A FÓRMULA DA SAISINE NO DIREITO SUCESSÓRIO. http://jus.com.br/revista/texto/23378 Publicado em 01/2013).


20.7. Conseqüência lógica desse princípio é a vedação para se discutir herança de pessoa viva.


20.8. “Maria Helena Diniz, com grande propriedade, leciona ser a morte a pedra angular de todo o direito sucessório, vez que ela determina a abertura da sucessão. Não se compreende, neste quadrante, tal instituto sem o óbito do de cujus, dado que não há herança de pessoa viva.” (SILVA, Rodrigo Alves. José. A FÓRMULA DA SAISINE NO DIREITO SUCESSÓRIO. http://jus.com.br/revista/texto/23378 Publicado em 01/2013).


20.9. Após criar um concurso de pretendentes ao trono português, dentro do incidente de legitimidade, o próprio Cardeal-rei profere sentença, em um processo onde ele é parte e juiz ao mesmo tempo, que exclui a todos os pretendentes chamados, talvez porque com essa sentença ele se manteria no trono, confiado até então de que conseguiria gerar algum herdeiro.


20.10. “(...) e também o ter mandado dar vista do processo aos procuradores dos pretendentes ao trono - D. Catarina, Duque de Saboia e Rainúcio de Parma, apesar de serem descendentes de linha feminina e não terem para o caso bastante procuração. Exceptuou-se o embaixador de França pelo que ficou muito sentido.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.47).


20.11. “(...) mandámos citar as partes a que o negócio tocava e podia prejudicar, que foram os mesmos que o são na causa da sucessão dêstes reinos, que também se trata perante nós como Rei dêles, (...), e fazerem-se outras diligências; e por parte de D. António e de D. Catarinha minha sobrinha uma das partes adversas se requeriam por sem elas constar bastantemente de verdade; e mandamos dar os nomes das testemunhas as partes, e vendo com contraditas por parte de D. Catarina lhos não recebemos, por não serem de receber, e houvemos por escusado e desnecessário dar vistas as partes para arrazoarem em final vistos os autos, qualidade da causa, e forma do Breve, e tomando para assessores os prelados e letrados abaixo assinados e do seu parecer e conselho. (...)” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.52).


20.12. Não se deve olvidar que da sentença Dom António não recebeu cópia, sendo-lhe impostas todas as dificuldades para impedir que ao menos pudesse apelar. De fato, Dom António não era comunicado dos atos dos processos, bem como seus procuradores estavam sob constante ameaça de prisão. Também daquela sentença resultou a prisão de Guiomar Gomes, irmão de Dona Violante Gomes, e seu marido. Acostumado que era em torturar e matar judeus nas prisões, não teve menor prazer em lançar mão desses, que foram martirizados, isto é, assados na fogueira depois das torturas que receberam.


20.13. “E por quanto também nos é cometido por Sua Santidade o castigo das testemunhas que neste caso achássemos culpados, visto o que por êstes autos se mostra António Carlos e sua mulher Guiomar Gomes, mandamos que sejam presos, e da prisão se livrem das culpas que contra êles há; e quanto a D. António meu sobrinho fica a nós reservado o poder proceder contra êle como fôr justiça pelo modo que nos parecer, conforme ao dito Breve. Rei. O arcebispo de Lisboa. O bispo de Leiria. O bispo de Miranda. O bispo Capelão-mor Gaspar de Figueiredo. Paulo Afonso. Jerónimo Pereira de Sá. Heitor de Pina. Rodrigo de Matos de Noronha.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.54).


20.14. A verdade é que o concurso criado pelo Cardeal Henrique é uma declaração tácita de vacância do trono, o que é totalmente inaceitável pela existência de herdeiro contemplado pelo Direito de Primogenitura. Outrossim é impossível vagar o trono estando um rei nele, pois doutro modo está-se fazendo uma declaração pública de que o ocupante do trono não é o rei, o que realmente é verdade no caso de Dom Henrique: ele não era o rei. A sucessão de que se trata é a de Dom Sebastião. O Cardeal-rei não poderia dirigir sua própria sucessão. A interferência do Cardeal Henrique na sucessão do Rei Dom Sebastião é fato ignóbil superveniente, restando-lhe a desgraçada condição de usurpador, esbulhador, espoliador, ladrão, que muito se esforçou por manter valendo-se principalmente de ameaças contra a liberdade e a integridade física de quem se lhe opusesse.


Parte VIII – Das Nulidades dos Processos Abertos para a Sucessão do Trono de Portugal

21. Da Ausência de Juiz Imparcial no Processo Movido em Roma


21.1. Embora se imagine que as regras e os princípios processuais do séc. XVI devam ser incipientes em relação às regras e princípios processuais adotados hodiernamente, não se ignora que o processo de hoje é resultado de seu aperfeiçoamento ao longo da História. Assim considerando, deve-se ter em mente que o processo daquela época possuía muitos princípios valiosos, dentre eles o do juiz imparcial. E essas considerações são feitas devido a uma série de atos praticados, principalmente por Dom Henrique e Filipe II, dentro do processo que Dom António movia em Roma para obter da Santa Sé o seu reconhecimento como o verdadeiro sucessor do Rei Dom Sebastião, atos aqueles em total contradição com o direito e os princípios da época.


21.2. Tendo o Cardeal Dom Henrique se auto-coroado à época da sucessão de Dom Sebastião, e questionando Dom António essa coroação, surgiram muitas pretensões, tanto domésticas quanto estrangeiras, pelo trono português. Embora o Grão-Prior do Crato, em sua boa-fé, tenha recorrido à Santa Sé para dirimir as questões sobre a sucessão do trono português, pensando encontrar ali um mediador respeitado e aceito por todos, na verdade estava se dirigindo a quem se arvoraria como juiz da questão, e pior: que tinha interesse na causa. Queria Dom António que Roma chamasse à ordem seu subordinado, o Cardeal Dom Henrique, corrigindo o erro que este praticara ao se coroar rei. Porém isso ia de encontro às pretensões de Roma, pois tinha esperanças de herdar todo o império português através de seu Cardeal, o Infante Dom Henrique. E por isso a Santa Sé não poderia ser juiz da sucessão do Reino português, pois tinha interesse na causa.


21.3. “Folgaram os bispos, o folgou o Papa Gregório XIII com estes bons propósitos que não passaram de... propósitos, devido ao obsediante problema da sucessão em torno do qual giravam os seguintes pretendentes: (...); e Gregório XIII, Pontífice, como herdeiro natural do Cardeal D. Henrique.
Da pretensão pontifícia ao trono português nada consta de positivo; consta somente uma epístola de Inocêncio III (1198-1216) que declarou Portugal, feudo da Santa Sé, e houve um ou outro eclesiástico em Portugal e em Roma a lembrar-se desta peregrina idéia que o embaixador de Castela junto de Gregório XIII comunicou a Filipe II.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.111).


21.4. Além disso, a Santa Sé estava sob pressão das forças de seu próprio Cardeal, Dom Henrique, que praticava atos à revelia da Igreja, e de Filipe II, que era um aliado que causava não pouco desconforto, pois fazia exigências que revelavam uma relutante subserviência do Pontífice. Em razão dessa proximidade, e dessa influência que evidenciava a capacidade dos reis de Portugal e Espanha alterarem as decisões da Santa Sé, deixa claro que Roma não poderia jamais ser juiz da sucessão do Rei Dom Sebastião.


21.5. “Demais à Santa Sé convinha que Portugal não caísse nas mãos de Filipe II cuja omnipotência e audácia na invasão das liberdades e imunidades eclesiásticas lhe não seriam de muito agrado. De facto Filipe II servia a Santa Sé para que a Santa Sé melhor o servisse a êle.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.38).


22. Do Breve do Papa e da Ausência de Pressupostos Válidos


22.1. Diante da sentença pronunciada por Fr. Manuel, movimentaram-se o Rei Católico e o Infante Cardeal no sentido de anulá-la. A influência do Doutor Diogo de Paiva de Andrade, o procurador de Dom António em Roma, não resistiu ao poderio de Castela e do Infante Cardeal. Felipe II, que não é parte no processo, suscita um incidente chamado “Incidente de Legitimidade”, exceção pela qual intenta impedir que Dom António seja reconhecido Rei de Portugal, sustentando que filhos havidos sob concubinato não podem ser sucessores de seus pais. Suplementando este ato processual, o Cardeal-Rei impetra e consegue do Santo Padre, em circunstâncias duvidosas, um Breve pelo qual se auto-constitui juiz da causa da legitimidade. A partir daí tudo corre mal para Dom António. Há dúvidas até mesmo quanto à elaboração deste primeiro Breve, se de fato o Pontífice pelo menos o tenha lido, especialmente considerando que o Cardeal, quando responde ao segundo Breve que lhe é mandado, levanta dúvidas se este segundo Breve terá sido escrito sem o conhecimento do Pontífice. Donde o Cardeal tiraria tais suspeitas senão das manobras que ele mesmo usou para obter o primeiro Breve?


22.2. “O primeiro Breve fôra redigido pelo próprio embaixador, não foi visto por nenhum ministro, a não ser por quem o escreveu para ser firmado por Sua Santidade, certo de que o Breve dizia somente o que o Embaixador havia pedido verbalmente, isto é que se dessem faculdades ao Rei de castigar aquelas testemunhas se fossem falsas e até D. António se as tivesse corrompido e subornado.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.60-62).

22.3. Está claro que o Cardeal-Rei não pode ser o juiz dessa causa porque ele é parte no processo principal. Dom António propôs ação perante Roma para destronar seu tio Dom Henrique. E como já dissemos, o fez com toda a cautela, (e por que não cortezia?), sabendo que lidava com alguém que se tornara muito poderoso por ter a seu favor a aparente legalidade e os imensos recursos do Estado português. A questão de mérito é a ilegitimidade de Dom Henrique para ocupar o trono português, porém o “incidente de legitimidade” suscitado por Felipe II é manobra que adquire tal destaque que acaba por desprezar a verdadeira questão de mérito levantada inicialmente por Dom António. O Incidente de Legitimidade é acessório, autuado em apenso ao processo principal, no qual será deduzida causa prejudicial ao mérito do processo principal. Ora, nenhuma das partes do processo principal pode ser juiz da causa do referido incidente, pois assim não estará constituída uma relação processual válida. Não se pode absolutamente deixar que a decisão seja proferida por uma das partes do processo. Isso é contra todo o direito! Não há outra conclusão possível senão a de absoluta nulidade de todo esse procedimento!


22.4. “Mas julgar sobre a legitimidade ou ilegitimidade de D. António isso não; era coisa absurda dar essas faculdades a um Rei fora de Roma, e muito mais a um Rei, parte adversa na causa, razão mais que suficiente para mover El-Rei a não aceitar, mesmo que o Papa tivesse querido confiar-lha, para não ter escrúpulo de que o mundo declarasse que D. António fôra injustamente sentenciado como ilegítimo. Então o Santo Padre resolveu revogar o primeiro Breve.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.79-80).


23. Da Ausência de Juiz Natural para Julgamento do Incidente de Legitimidade


23.1. A Santa Sé jamais constituiu o Cardeal Dom Henrique juiz do Incidente de Legitimidade. O Infante-Cardeal Dom Henrique, valendo-se de um Breve que o Papa enviara, autoproclamou-se juiz da “causa da legitimidade”. Observe-se uma reiteração na conduta do Infante-Cardeal: primeiro se autoproclamou rei de Portugal, suprimindo a competência das Côrtes, e depois se auto-intitulou juiz no incidente de legitimidade de Dom António. Evidenciada está a falta de um juiz natural para a causa. O Cardeal-Rei cria um juízo específico para apreciar o “incidente de legitimidade”. Como dito, Roma não deu poderes para Dom Henrique se tornar juiz do incidente de legitimidade. Confira-se o segundo Breve enviado pelo Pontífice Gregório XIII:


23.2. "Pelo Breve mandado ao Rei de Portugal, diz o Papa ao Núncio, que vai com êste, declaramos o êrro cometido no Breve de delegação da causa do pretendido casamento entre o Infante D. Luís de boa memória e a mãe do dilecto filho António, Prior do priorado do Crato do Hospital de S. João de Jerusalém nullius diocese, no qual incautamente se ajuntou também que terminasse e decidisse, o que se fêz contra as nossas ordens, àcêrca da expedição por moto proprio e de nossa consciência certa e dada a plenitude do poder apostólico, pois reservamos a nós e à Sé Apostólica a decisão e sentença da referida causa. E por isso ordenamos que o dito mandado seja observado até que Sua Magestade ouça e conheça exclusivamente por si, por outro ou outros, a referida causa até à sentença, sendo reservada a nós e à Santa Sé a sua decisão e sentença. Também o admoestamos e aos subdelegados que da decisão e sentença totalmente se abstenham. E se por ventura já foi dada a sentença, mercê do Breve de delegação, declaramo-la írrita e nula, nada absolutamente se execute, e se faça o processo autêntico de tôdas as coisas que já estão feitas e tudo se encaminhe até sentença definitiva que nos deve ser mandada quanto antes pelo mesmo Rei. Finalmente mandamos que entregues quanto antes o Breve a El-Rei, Breve que se deve juntar ao processo. Queremos que saibas tôdas estas coisas para que plenamente instruído quando o entregares ao Rei, empregues aquelas palavras pelas quais Sua Magestade conheça que tu estás ao facto de tudo por Nós e para que tu urjas a execução da nossa vontade a respeito dêste assunto. Além disto se fôr notável a demora em fazer o processo consoante o que se diz neste Breve, e em publicar o que consta desta nossa reservação, então procederás conforme o que melhor entenderes. Dado em Roma junto de S. Pedro sob o anel do Pescador, dia 7 de Setembro de 1579.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.70). Grifos nossos.


24. Da Ausência de Juiz Imparcial no Incidente de Legitimidade 


24.1. Como já se disse, após sair do cativeiro mouro em agosto de 1578, e consciente de que era direito sucessor ao trono português, inicia Dom António seu retorno ao Reino de Portugal já também ciente das dificuldades que enfrentaria: o Infante-Cardeal Dom Henrique era seu inimigo capital. Quando de sua regência (1562-1568), Dom António fôra perseguido duramente a ponto de ser expulso da Côrte Real, indo a peregrinar em Castela. E se à época da regência o embate tinha sido duro, muito mais agora o coroado usurpador lhe faria guerra. Não tinha intenção alguma o Infante Cardeal de permitir que Dom António sequer se aproximasse do trono, muito menos de lhe reconhecer qualquer direito que fosse. Por tudo isso o retorno de Dom António ao Reino foi de muita cautela. Assentado no trono português, o Infante Cardeal se abrigava debaixo do manto da aparente legalidade e se mantinha pelos amplos recursos do Estado português que estavam a seu dispor. Por isso Dom António procurou os melhores caminhos para resguardar os seus direitos, escolhendo o melhor momento de encarar aquela tamanha e desproporcional força inimiga que se lhe opunha. Destacou então o Doutor Diogo de Paiva de Andrade para obter perante o Papa tudo o que fosse necessário para o seu reconhecimento como Rei de Portugal. O delicado assunto tratava de reconhecer Dom António como Rei de Portugal e a conseqüente saída do trono por parte do Infante Cardeal. A questão suscitada por Dom António é o esbulho do trono perpetrado pelo seu tio. Está aí estabelecida a lide: A pretensão de Dom António de ser coroado rei, e a resistência daquele que indevidamente detém a coroa, o Infante Cardeal. Essa é a questão de mérito debatida.


24.2. Além disso, Dom Henrique não é juiz imparcial, pois era inimigo capital da contraparte, e disso Roma foi informada pormenorizadamente, e várias vezes. 


24.3. “Escusado dizer-se que o Breve, enviado ao Cardeal-Rei, produziu grande impressão no ânimo de todos. D. António mandou logo o seu licenciado ao Núncio Mons. Alexandre Frumento com uma apelação por êle assinada, querendo que o Núncio a aceitasse e o Papa a admitisse por causa do grande agravo e prejuízo que para êle resultava da intimação do Breve, doendo-se acerbamente que a causa da sua legitimidade fôsse confiada a um inimigo, o que não sucederia se o Papa estivesse informado da má vontade real.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.43).


24.4. “A 12 de Agôsto mandou a Mons. Alexandre Frumento uma carta (de Dom António)*, acompanhando outra para o Santo Padre, na qual se queixava de que El-Rei lhe havia mandado um Breve de Sua Santidade em que o fazia juiz na causa da sua legitimidade. Tem por certa a falsidade do Breve por ter cláusulas contrárias às leis divinas e humanas e cruéis para a sua honra, e ser escrito por um secretário como João Baptista Canóbio. Não compreendia D. António que o Santo Padre chamasse vil à sua mãe, não só por ser sua mãe mas também porque o não era de facto, como pretendia provar com muitas testemunhas dignas de fé e documentos importantíssimos que seu pai a tomara por mulher, e também porque se estava em ocasião de apresentar provas, não sendo do seu serviço escandalizar um servo tão obediente de Sua Santidade. E depois pregunta: Onde se viu um tribunal sem apelação nem suspeita? Que informação tinha Sua Santidade da sua vida e costumes para o entregar daquela maneira a um juiz tão iníquo para, em nome de Sua Santidade, tratar da sua pessoa, mesmo fisicamente? Podia Sua Santidade informar-se por pessoa insuspeita e, se lhe parecesse, mandar para esta causa um Príncipe da Santa Sé Apostólica. Ficaria assim Deus melhor servido, e as partes sem lamentações. Êle vai escrever ao Santo Padre a pedir remédio para esta coisa, tão sem razão. Qual? Um rescrito no qual ordene a Sua Majestade que não seja seu juiz na causa da sua legitimidade por ser seu inimigo capital.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.48), * (nota nossa).


24.5. “Mas é coisa clara que o Rei D. Henrique, tanto em Portugal quanto fora, de há muitos anos para cá lhe tem ódio perseguindo-o sempre que pode, mas principalmente depois que o Sr. D. António requereu a igreja de Caria, da qual tirou a apresentação para os jesuítas pelos quais o dito Rei se tem sempre governado e se governa, e por isto ficou odiado também por êstes que teem sempre procurado que o Rei seja seu inimigo, e temendo êles que o Sr. D. António sucedesse neste reino que poderia por justiça tirar-lhes muitas coisas que indevidamente teem já usurpado, tanto da coroa dêste reino como das coisas eclesiásticas ao presente de diversas pessoas, determinaram, por tôdas as vias e meios possíveis, impedir a dita sucessão com todos aquêles meios que a pudessem evitar, procurando por isso extinguir-lhe a fama da sua legitimidade, crédito e devoção que conservava junto do povo, pondo êles jesuítas pessoas letradas no conselho do Rei das quais êles se servem para os seus negócios a fim de que somente por eles se aconselhasse o Rei neste negócio e outros seus dependentes em prejuízo do dito Sr. D. António para favorecer quem eles querem que suceda, com quem já há muitos dias teem feito as suas convenções no que foi fácil persuadir o Rei, tanto a ter-lhe medo e ódio como por ser seu confessor um dêstes jesuítas por cujo conselho o Rei se governa, e também por serem deles alguns com outros seus aderentes do conselho real, o qual se governa por três jesuítas, como é notório por todo o reino; e, para mandar mais facilmente para efeito este seu pensamento contra o Sr. D. António, teem procurado saber que prova tinha de ser legítimo, e persuadiram o Rei que lhe fizesse declarar quais fôssem as testemunhas que para isso tinha, e sendo que o dito Sr. D. António temesse o dano que dali lhe podia vir como de facto lhe sobreveio, fez o possível desde o princípio para se escusar de fazê-lo, para não ser o Rei neste caso seu juiz; mas por fim, duvidando se teria de sofrer alguma afronta e também porque havia perigo que lhe fôssem subornadas as suas testemunhas, foi forçado a nomeá-las.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.60-62).


25. Da Ausência do Devido Processo Legal e do Cerceamento do Defesa


25.1. Como se disse acima, no processo movido por Dom António em Roma, que tinha por objetivo destronar o Cardeal-Rei, surge um “incidente de legitimidade” cuja competência para julgamento Roma jamais delegou ao Infante Dom Henrique, o Cardeal-Rei. Como juiz auto-intitulado do Incidente de Legitimidade, Dom Henrique passa a abusar de sua ilegítima autoridade real para prejudicar a defesa de Dom António, num processo repleto de vícios insanáveis já demonstrados acima. Há manifesto cerceamento de defesa, do que não se podia esperar outra coisa sendo o Cardeal-Rei manifesto inimigo de Dom António, como também manifesto usurpador do trono. Se há alguém entre os que governaram Portugal que pode ser considerado absolutista, esse é o tirano Dom Henrique.


25.2. “Mas a Mons. Frumento, o procurador de D. António, Inocêncio Soeiro, levou um protesto-queixa dos agravos que o Rei fazia a D. António, não querendo inquirir religiosos e prelados de Ordens que, atiçados pela sua consciência, queriam dizer coisas importantíssimas. Um dêles era o Padre Frei António Caldeirão da Ordem do Carmo, mestre em Teologia, velho prelado e visitador da Ordem. Estimulado pela sua consciência foi dizer a El-Rei que Jorge da Silva e André Teles lhe afirmavam em diferentes tempos e diferentes matérias que D. António era legítimo e seu pai casara com sua mãe D. Violante. Jorge da Silva fôra um dos principais fidalgos do reino, de muita virtude e exemplo, amigo a quem D. Luís fiava os seus segrêdos, e a êle, em companhia de teólogos, mandou rever o seu testamento em coisas de sua consciência. André Teles fôra um fidalgo muito principal, de virtude muito notável, mordomo-mor da casa do Infante em quem depositava muita confiança, que depois da morte de D. Luís tinha sido embaixador em Castela durante muitos anos. El-Rei respondeu a Frei António Caldeirão que Jorge da Silva e André Teles tinham mentido.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.44).


25.3. “Além disto o Rei mandara chamar, pelo seu confessor, Diogo Botelho, fidalgo da sua casa, para assistir às causas e coisas de D. António. E quando Diogo Botelho se dispôs a dar-lhe ‘um papel de lembranças sôbre a justiça do Senhor D. António, dizendo a Sua Alteza que cumpria o seu serviço ler aquêle papel’, o Cardeal-Rei respondeu-lhe que não eram coisas do seu serviço, estando presentes o Conde mordomo-mor Diogo Lopes de Sequeira general das galés, D. Francisco de Sousa capitão da guarda, Simão de Miranda camareiro de El-Rei pelo que Diogo Botelho ‘afigurou afrontado e tão intimidado no serviço do Senhor D. António que lhe cumpriu o largá-lo por quanto Sua Alteza o mandou meter na cova porque com muita cortezia e brandura recusara um procurador das côrtes por suspeito ao Senhor D. António’.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.44).


25.4. “A esta queixa do licenciado Inocêncio Soeiro, juntou-se o protesto de nulidade de tudo o que o Rei fêz para a todo o tempo se ‘ajudar e se valer da sentença que tem de sua legitimação a qual lhe não pode ser quebrada’, esperando tudo do Papa, da Sé Apostólica e de seus juízes e comissários, terminando por pedir segrêdo de tudo o que deixara escrito até que corresse menos risco de ser "tratado mal e rigorosamente por Sua Magestade". (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.45).


25.5. “Passados dez dias dêste protesto, o licenciado Inocêncio Soeiro, procurador de D. António, apresentou um apêlo ao Papa, por intermédio do Núncio Apostólico, o que não fizera diante de El-Rei ‘por justo medo que tinha e porque não ousava apelar diante de sua Alteza’, contando que o Cardeal-Rei se recusara a interrogar mais testemunhas na causa da legitimidade, como eram pessoas nobres, religiosos e sacerdotes e outras testemunhas sem suspeita e tôdas maiores, de cujo depoimento resultaria ‘grandíssima prova que faria a causa claríssima e patente’. Além disto El-Rei não mandou passar uma carta de excomunhão, como juiz apostólico que era da dita causa, para se descobrirem muitas testemunhas sabedoras da matéria, o que, segundo o procurador de D. António, equivalia a desperdiçar depoimentos de pessoas que não queriam descobrir nem dizer o que sabiam dela sem excomunhão.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.45-46).


25.6. “Agora, como há dez dias, o procurador de D. António mostrou-se receoso de ser preso e vexado por El-Rei por defender os interêsses do seu constituinte. (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.47).


25.7. "Não tenho procurador nem quem ouse procurar por mim porque sendo Diogo Botelho que por mandado de V.A. fazia minhas coisas o mandou degradar fora do reino por onde me êle faltou e os mais cobraram por receio." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.93).


25.8. Conforme consta nas narrativas acima, o Cardeal-Rei Dom Henrique goza de todo o poder para satisfazer suas pretensões dentro de um processo totalmente fraudulento. Concentrando em suas mãos todo o poder, frustra qualquer tentativa de Dom António de produzir provas a seu favor, intimida e persegue qualquer um que atue na causa como procurador do Grão-Prior do Crato, e muito menos lhe proporciona as mesmas oportunidades de agir no dito incidente, especialmente evitando que fosse comunicado dos atos processuais. Portanto, resta comprovado que o Breve papal e o “incidente de legitimidade” estão conspurcados de toda sorte de nulidades insanáveis, e não poderiam jamais ter avançado, o que ocorreu somente pela forte influência dos poderes do Rei de Castela e do ilegítimo rei de Portugal.

Parte IX – A Questão da Legitimidade de Dom António

26. Do Tratamento que Dom António Recebeu Como Filho do Infante Dom Luís por Toda a sua Vida


26.1. A questão controvertida no âmbito do Incidente de Legitimidade, isto é, o seu objeto, é a alegação de que filhos havidos numa relação de concubinato não podem suceder no trono. Bem, esta alegação não procede. Em toda a história de Portugal não há notícia de que isto tenha acontecido. O caso mais recente em relação àquela época foi a crise sucessória de 1385. O Mestre de Avis, Dom João, era filho bastardo do Rei Dom Pedro I com Tareja Lourenço, mulher natural da Galiza. Ora, não houve casamento entre o Rei Dom Pedro e sua amiga galega. Mesmo assim, sendo a questão da sucessão apreciada pelas Côrtes, concluiu-se que um filho fora do casamento também pertence à linha sucessória, sendo chamado a suceder na falta de filhos legítimos. Portanto, o Direito português consagrou a regra de que qualquer filho de rei é também considerado sucessor do trono. Não se pode ignorar que, na prática, não há diferença entre filhos bastardos, naturais, adulterinos, etc., desde que sejam realmente filhos do respectivo pai. Não será admitido como sucessor apenas aquele que não é filho. Portanto, somente há diferença entre filhos havidos na constância do casamento (legítimos) e os demais no que tange à primazia que aqueles têm em relação a estes seja no que for, especialmente na sucessão. A primazia dos legítimos é superior até mesmo à ordem cronológica.


26.2. Talvez alguém argumente que Dom Jorge, filho bastardo do Rei Dom João II, não foi considerado sucessor ao trono. Neste caso, porém, em razão de uma morte misteriosa do filho legítimo daquele Rei, e por insistência da Rainha, Dom Jorge FOI EXCLUÍDO da sucessão. E esta é a diferença: ele estava na linha sucessória, mas foi excluído pelo pai. De acordo com o Direito Divino, do qual se tratou acima, para confirmação da Primogenitura é necessário que se atenda a três requisitos: ordem cronológica, sanção paterna, sanção divina. Embora a primogenitura possa ser deslocada em razão da morte do primogênito, por vezes é preciso que o pai confirme o direito de primogenitura para o filho. Há casos em que o filho comete algum ato que seja altamente reprovável pelo pai, que tem o poder de retirar a primogenitura do filho. Também em razão de alguma circunstância, ou caso fortuito, ou força maior, o pai poderá tirar a primogenitura ao filho, querendo com isso preservar a existência da linhagem. No caso de Dom Jorge, foi ele excluído da sucessão por causa da grande indignação da Rainha de ver seu filho morto, e ele, filho bastardo, vivo. E por estar o Reino grandemente abalado pela ação de conspiradores que, com ajuda de Castela, procuravam derrubar o Rei Dom João II, viu-se este forçado a ceder aos apelos da Rainha e excluir Dom Jorge da linha sucessória. Expressamente o Rei transmitiu a primogenitura a Dom Manuel. Portanto vê-se que este caso difere muito do que ocorreu tanto em 1385 como em 1580.


26.3. No que tange ao incidente de legitimidade suscitado, o Direito português, que já consagrara o direito de qualquer filho não legítimo figurar na linha sucessória, não ampara as pretensões do Cardeal Dom Henrique e de Filipe II, rei de Castela. Ademais, Dom António sempre foi tratado como filho legítimo, tanto no plano doméstico quanto no internacional, inclusive pelos próprios contendores no Incidente de Legitimidade. O tratamento dispensado a Dom António nos meios de comunicação oficial, tanto no Reino de Portugal como no exterior, fazem prova pleníssima de que é filho legítimo do Infante Dom Luís.


26.4. "Tinha 20 anos de idade quando, a 5 de Maio de 1551, recebeu em Coimbra o grau de Mestre em Artes, tendo proferido, no mês de Novembro anterior a quando a visita de D. João III e D. Catarina a Coimbra, o panegírico de D. Afonso Henriques, forrado de óptimo e clássico latim. Tanto o pai como os tios viam nêle um futuro arcebispo e quiçá um membro do Sacro Colégio, como o fôra seu tio o Cardeal D. Afonso de Portugal, e como o era o Cardeal D. Henrique ao tempo arcebispo de Évora." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.18).


26.5. “Sabedor o Papa Paulo IV da sua morte, a 27 de Março de 1556, mandou a El-Rei D. João III o Breve Renuntiavit nobis no qual se lastima e se dão pêsames pela sua perda, ficando sucessor na administração do Priorado do Crato, seu filho D. António, consoante o que o Pontífice Júlio III, pela Bula Circa pastoralis officii, de 25 de Maio de 1551, concedera a instâncias do Infante D. Luís e de El-Rei D. João III.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.17).


26.6. "Pio Papa IV. Ao nosso dilecto filho saúde e Bênção Apostólica. Não sem grande desgôsto soubemos que o dilecto filho António, filho do teu falecido irmão Luís Infante de Portugal, de boa memória, (...)." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.21).


26.7. "El-Rei. D. João de Zúniga do meu Conselho e meu Embaixador. Nos dias passados mandei escrever o que teríeis visto sôbre a comenda de Leça da Ordem de S. João de Jerusalém, para o mui ilustre D. António de Portugal, meu primo. Desejava que o provesse o Grão Mestre de São João e o que havíeis de procurar com Sua Santidade àcêrca da dispensa do juramento. Agora entendi do Embaixador do Sereníssimo Rei de Portugal, meu sobrinho que aqui reside como o Grão Mestre lhe concedeu já e que para a poder ter, tem necessidade da dispensa de Sua Santidade pelas causas que mais particularmente ouvireis do Doutor Diogo de Andrade, agente do dito D. António, e do Doutor António Pinto.
E porque eu desejo muito que, depois do Grão Mestre o ter provido na dita comenda de graça a meu pedido, Sua Santidade o tenha por bem e dispense o dito D. António do que nessa parte fôr mister para o poder ter, por ser coisa que a êle também lhe agrada para seu descanso e tranqüilidade, lhe escrevo a carta que vai com esta credencial do teor que vereis pela cópia dela. Eu vos encarrego e mando que a deis da minha parte e lhe supliqueis mui encarecidamente tenha por bem concedê-la, fazendo para isso todos os ofícios e diligências necessárias que eu tenho particular vontade ao dito D. António por ser filho do Infante D. Luís, irmão da Imperatriz minha senhora que está no céu, que em nenhuma coisa receberei maior contentamento que no bom despacho dêste negócio e que vos empregueis nêle como nas coisas que desejo muito. De Madrid, 14 Setembro 1569. O Rei." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.26-27).


26.8. “A praça de Tânger achava-se sem governador pela morte de Rui de Sousa a 2 de julho de 1573, e D. Sebastião nomeou-o para o substituir, sendo o vigésimo dos que ocuparam aquêle govêrno, não só para valorizar o posto, dando-lhe maior autoridade, como, preocupado com a conquista de África, entendeu ter em D. António um informador seguro, discreto e de confiança." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.27).


26.9. "El-Rei a João de Zúniga do meu conselho e meu embaixador. Ao mui ilustre D. António de Portugal, meu primo, filho do Infante D. Luís de Portugal, tenho vontade mui particular, pela qualidade da sua pessoa e por outros muitos motivos, e desejo favorecer em tudo que se oferecer (...)." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.28)


26.10. Como se vê pela comunicação oficial entre os reinos de Portugal e Castela, e também a Santa Sé, por 49 anos o Grão-Prior do Crato, Dom António, foi tratado como filho legítimo do Infante Dom Luís, de sorte que a sua própria história de vida já é prova mais do que suficiente para fulminar o aberrante Incidente de Legitimidade. Nada mais claro que a questão da legitimidade é uma simulação usada por Dom Henrique e Filipe II para defraudar os direitos de Dom António ao trono português. Nunca antes se havia cogitado semelhante coisa, mas somente quando é aberta a sucessão do Rei Dom Sebastião, o tratamento muda, e a ignominiosa questão é levantada.


27. Das Certidões de Nascimento e Casamento Que Elucidariam a Questão da Legitimidade


27.1. Os principais documentos, que também fariam prova pleníssima a favor de Dom António no caso do Incidente de Legitimidade, são a certidão de casamento de seus pais e sua certidão de nascimento. Pergunta-se: onde estão tais certidões? Para responder essa pergunta é necessário ter em conta duas situações determinantes: 1) Tais certidões são emitidas pela Igreja Católica Apostólica Romana; 2) Aqueles que pertencem ao clero, especialmente o alto clero, têm enorme poder para acessar e vedar o acesso a tais documentos. Não é à toa que o arquivo do Vaticano se chama “Arquivo Secreto do Vaticano”. Nessa linha de raciocínio, entende-se perfeitamente o grau de poder que detinha o Infante Dom Henrique, não só como rei, mas também como cardeal. Imagine-se o que  o Infante Cardeal, inimigo de Dom António, não faria para evitar que tais certidões pudessem ser usadas no Incidente de Legitimidade? Se Dom António tinha ou não tais certidões, ainda está por se apurar, pois a documentação existente narra que as principais provas trazidas àquele inválido processo foram as testemunhais. Documentos foram trazidos aos autos, mas historicamente, por enquanto, só há referências genéricas a respeito. Por exemplo, na sentença do Cardeal-Rei consta: “(...) e assim foram oferecidos por sua parte documentos, e escrituras que mandamos ajuntar nos autos, (...)”. Ainda não há notícias do paradeiro da certidão de casamento de Dom Luís com Dona Violante Gomes, ainda que se afirme que o casamento existiu. Existe a hipótese de que o casamento tenha sido realizado numa sinagoga, e por isso não havia registro na Igreja Católica. Já a certidão de nascimento de Dom António foi retirada do respectivo livro e destruída quando o Cardeal Henrique o baniu de Portugal e lhe retirou ilicitamente a nacionalidade.


27.2. "(...) pronuncio de tôdas as jurisdições, honras e prerrogativas, rendas e assentamentos, tenças, privilégios, liberdades, graças e quaisquer outras mercês, isenções e honras, franquezas do que usam e gozam os naturais. E mando que lhe não sejam guardadas, antes seja havido como se nestes reinos não nascera, e assim o hei por não natural e todos e qualquer dos meus vassalos naturais que com êle estiverem ou para êle se forem da publicação desta sentença em diante, ou por qualquer maneira o servir, ou em qualquer parte que êle estiver o acompanhar, e pelo mesmo modo hei por desnaturais todos aqueles que lhe enviarem quaisquer recados, ou lhe escreverem cartas, ou lhe derem, ou emprestarem dinheiro, ou qualquer outra coisa, porque a todos e a cada um dêles hei por rebeldes e desobedientes e que percam suas fazendas a quarta para quem os acusar valendo a fazenda até dez mil cruzados, e daí para baixo, e valendo mais haverão sòmente a quarta parte dos ditos dez mil cruzados, e o mais será para a Coroa de meus reinos, além de outras mais penas em que incorrem por direito os rebéis e desobedientes aos mandados de seu Rei e Senhor. E mando ao dito D. António que em têrmo de quinze dias se vá de meus reinos e senhorios por assim convir ao bem e quietação dêles, e de meus vassalos, e não cumprindo assim procederei contra êle como me parecer que cumpre a serviço de Deus e meu e socêgo dos meus reinos."
Mons. Alexandre Frumento informado àcêrca disto o Secretário de Estado, fez este comentário: "Donde bem se vê que querem impedi-lo também de poder prosseguir a causa da sua legitimidade junto da Santa Sé." (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.88-89).


27.3. “Que o processo da sua legitimidade marche em ritmo acelerado, que o Rei Católico por intercessão da Santa Sé espere a decisão final da sentença, que o Núncio Legado do Papa tome a peito a justiça da sua causa, que o arcebispo de Lisboa seu inimigo seja substituído por outro imparcial, e sobretudo que inutilize a sentença que o desnaturalizara. A sentença que lhe destruíra a certidão portuguesa do nascimento, era a sua contínua aflição.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.100).


27.4. Diante de todo o exposto até aqui, evidencia-se o comportamento criminoso do Infante Dom Henrique. Este sim, como rei tirano de Portugal, perpetra toda sorte de “maquinações” e fraudes para destruir seu inimigo, o Grão-Prior do Crato. Se foi capaz de destruir a certidão que poderia fazer prova pleníssima do direito de Dom António, nenhum outro documento que fosse trazido aos autos do Incidente de Legitimidade estaria a salvo. E o mesmo acontecendo com qualquer outra espécie de prova, como a testemunhal. As testemunhas que não quiseram mudar seu testemunho a favor de Dom António foram presas, e uma delas morreu na prisão, martirizada. A triste verdade disso tudo é que o Infante Cardeal conduziu um processo criminoso cujo objetivo era recolher e destruir todas as provas apresentadas por Dom António. E por isso é bem provável que também tenha destruído a certidão de casamento do Infante Dom Luís.


28. Da Sentença de Fr. Manuel de Melo


28.1. É incidental a questão da legitimidade levantada por Filipe II, e consistiu na maior ignomínia já lançada, desde sempre, contra um membro da Família Real Portuguesa. Para fulminar essa ultrajante acusação de Filipe II, obteve Dom António “sentença”, a 24 de maio de 1579, do Fr. Manuel de Melo, Cavaleiro da Ordem de Malta, na qual comprova a sua legitimidade. Aquela na verdade não foi uma sentença propriamente dita, mas assim intitulada pela praxe da época. Significa ela um ato administrativo, ou antes, eclesiástico praticado dentro da competência que tinha Fr. Manuel de Melo. E foi emitida pela Ordem de Malta porque lá estavam guardados todos os documentos pertinentes a Dom António desde a sua entrada para a Ordem. É sabido que para se assumir um cargo eclesiástico passa-se por muitas etapas solenes, e.g., De Profundis, onde são produzidas muitas provas para certificar que a pessoa pode realmente assumir um cargo eclesiástico, e tudo isso sob o acompanhamento e posterior aprovação de Roma. Portanto, aquela repartição eclesiástica estava em condição de certificar certos documentos relativos a Dom António no período em que fez parte da Ordem de Malta. Deve a sentença de Fr. Manuel de Melo ser entendida como uma espécie de certidão.


28.2. “E reproduz-se a sentença dada a favor da legitimidade de D. António: 
"Christi nomine invocato. Visto êstes autos a saber primeiramente a comissão da minha jurisdição que me foi solenemente cometida no capítulo provincial àcerca dos negócios e das pessoas, que podem gozar dos privilégios da Ordem de S. João, e como o Senhor D. António é uma delas. E bem assim visto à petição do procurador de S. Excelência que por mim foi recebida prova dada assim de testemunhas como por outros diversos documentos, mostra-se o Infante D. Luís sendo mancebo, e em idade florescente se namorar de Violante Gomes, donzela, muito formosa e honesta, de grande discrição e graça e por seus amores fazer muitos extremos públicos de justas, invenções, músicas, motes e cantigas, e como se prova ser tão afeiçoado a dita Violante Gomes que forçado do amor que lhe tinha a recebeu por mulher, por doutra maneira não poder conseguir o efeito de seus amores, pela muita resistência que achou na muita virtude assim da dita donzela como em sua mãe. E tanto que a recebeu por mulher logo mandou que se chamasse D. Violante. E assim visto como se prova que depois do dito Senhor Infante ser casado com a dita Senhora D. Violante lhe saírem muitos casamentos sem nunca querer aceitar nenhum dêles, nem o reino de Inglaterra que se lhe oferecia com a Rainha Maria, antes dizia que não podia casar nem ter outro reino, mais que uma cela em que ao tal tempo estava.
E bem assim visto como se prova o dito Senhor Infante mandar tratar a dita Senhora D. Violante como sua mulher depois que a recebeu com vestidos, camas e jóias. E assim no mosteiro lhe mandar tudo de sua casa, e fazer o que ela mandasse no alto e no baixo sem ter com êle conta. E assim mandar ao Senhor D. António seu filho lhe obedecesse como filho conforme a Lei divina e humana, e que nunca mais pôs os olhos em outra mulher depois que conheceu e recebeu esta Senhora. E outrosim visto como se prova em seu testamento nomear o Senhor D. António por seu filho simplesmente sem adição, nem acrescentar natural, e além disso o instituir por herdeiro de tôda a sua fazenda, o que conforme o direito civil e canónico bastava para se provar como de feito basta para ser havido por legítimo.
Quanto mais se prova que El-Rei e Rainha que estejam em glória confessassem que o Infante recebera a dita Senhora D. Violante, e como a seu filho legítimo tratarem ao Senhor D. António nas honras secretas e públicas e dizerem que não era necessário publicar que era legítimo, pois havia de ser clérigo, e também se prova a dita Senhora Rainha tratar a dita Senhora D. Violante no mosteiro de Almoster onde a viu, de tal maneira que logo pareceu nas honras que lhe fês que era mulher do Infante. E assim o disseram logo as damas que com ela foram, o que não fizera a dia Senhora Rainha se ela Senhora D. Violante não fôra mulher do Infante, e falando-lhe à Camareira-mor D. Joana d'Eça sôbre as ditas honras respondeu que tudo merecia por ser mãe do Senhor D. António, e o mais que ela Camareira-mor sabia, que é ser mulher do Infante como as ditas testemunhas declaram. E assim visto como se prova a dita Senhora Rainha o confessar e dizer, e o tratamento que sempre fêz ao Senhor D. António em ser avantajado do que fazia ao Senhor D. Duarte. E outrosim visto o regimento que o dito Senhor Infante deu a Sua Ex.ª de como havia de escrever aos fidalgos e senhores que ao Senhor D. Duarte não puzesse no sobscreito Meu Senhor, nem aos Duques beijar as mãos, e assim visto como El-Rei seu tio se prova de lhe dar as armas de seu pai sem labeu de bastardia, o que tudo se não fizera se legítimo não fôra. E visto outro sim como se trata perante mim nestes autos de legitimidade, e em caso de muitos anos atrás, no qual caso o direito se contenta com muito menos prova que tratando-se de casamento inda que seja em prejuízo de terceiros, e como se prova as principais testemunhas de vista não poderem testemunhar e estarem impedidas por quem lho podia defender de feito, com o mais que se pelos autos mostra, julgo e declaro, pela autoridade a mim cometida, o dito Senhor D. António ser filho legítimo do dito Senhor Infante e da dita Senhora D. Violante, nascido de legítimo matrimónio. E pague as custas. E mando se lhe passem do processo as sentenças que pedir. A 24 de maio de 1579. Fr. Manuel de Melo. (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.40).
28.3. E diante de todo o exposto até aqui, com convicção pode-se afirmar que Dom António é o filho legítimo do Infante Dom Luís. Embora aleguem alguns equivocadamente que era bastardo, na verdade o que o Cardeal-Rei sustentava era que Dom António era filho natural. Com isso ele queria dizer que não houvera casamento de seus pais. Esse é um argumento vazio. Muitas vezes o pai de um filho bastardo jamais se casa com a mãe deste. E a crise sucessória de 1385 confirmou plenamente que havendo sucessão, e na falta dos legítimos, os bastardos são chamados a suceder. O Mestre de Avis foi confirmado no trono português, mesmo sendo filho bastardo de Dom Pedro I. Como se vê, aquela crise sucessória gerou um precedente que confirmou a regra de se admitir que o filho bastardo de um rei figure na linha sucessória. E não há diferença prática entre um filho natural e um filho bastardo. Ambos são filhos, só que não do casamento principal. No caso de Dom António ainda há um pormenor valioso: o pai, Dom Luís, jamais contraiu casamento com outra mulher, nem sequer teve envolvimento amoroso com qualquer mulher que seja. Acrescente-se a isso outra prova pleníssima que consta da sentença de Fr. Manuel: “E outrosim visto como se prova em seu testamento nomear o Senhor D. António por seu filho simplesmente sem adição, nem acrescentar natural, (...)”. Nesse ponto, a sentença do Cardeal-Rei diverge da de Fr. Manuel, pois aquele diz que no testamento consta o termo “natural”, enquanto este diz que não há este termo. Segundo nos conta o padre José Castro, o termo “natural” fôra riscado no testamento. Ainda há neste documento outra informação deveras valiosa que faz prova plena da filiação de Dom António: “(...) e além disso o instituir por herdeiro de tôda a sua fazenda, o que conforme o direito civil e canónico bastava para se provar como de feito basta para ser havido por legítimo”. Seja legítimo, natural ou bastardo, Dom Luís perfilhou Dom António em seu testamento, deixando-lhe todos os seus bens. E isso significa que ele é considerado unigênito. Essa afirmação não foi contestada pelo Cardeal-Rei. São provas inequívocas que demonstram, no mínimo, que não há dúvidas sobre a paternidade de Dom Luís.


28.4. Resta destacar que Dom António jamais seria admitido como Prior da Ordem de Malta, intitulando-se filho do Infante Dom Luís, sem que isso fosse verdade. O testamento de Dom Luís deixa o Priorado do Crato para “seu filho”. Ora, se não fosse filho, já teria sido contestado e impedido de assumir tal cargo por estar incorrendo no que hoje é chamado crime de falsidade ideológica. Disso decorre que a posse como Prior do Crato constitui prova mais do que suficiente de que Dom António é filho legítimo de Dom Luís.

Parte X – A Posse Injusta Sob Nova Modalidade: 1640

29. A Casa de Bragança Também Usurpou o Trono


29.1. Há muito da história de Portugal a ser contada, mas por motivos óbvios esta petição se restringe a certo intervalo histórico. Os braganças são personagens ativos dessa história desde a crise sucessória de 1385, porque possuíam muito poder político e econômico, e fizeram questão de não só defender esse poder como também de aumentá-lo. E para isso procuraram negociar casamentos que os aproximasse da linha sucessória, e obter títulos que fortalecessem sua influência na Côrte. À luz dos fatos históricos, não é difícil perceber que sempre usaram de artifícios para alcançar o trono, e a crise sucessória de 1578-1580 foi a oportunidade perfeita para lograr esse feito. E embora a tirania filipina seja um triste capítulo da história portuguesa, houve outro facto ainda mais infeliz do que a anexação de Portugal pela Espanha: o trono português deixou de ser objeto de posse violenta para se tornar objeto de posse clandestina.


29.2. Embora o Cardeal Henrique tenha criado ilicitamente um concurso para eleger um sucessor ao trono português, a disputa interna se dava claramente entre a Duquesa de Bragança, Dona Catarina, e o Grão-Prior do Crato, Dom António. Ora, Dona Catarina reconheceu que não era legítima sucessora ao trono, juntamente com seu marido o Duque de Bragança, quando receberam Filipe II como seu senhor e rei. Dom António nunca reconheceu Filipe II como rei de Portugal, e lutou a vida inteira contra o rei católico. O Duque e a Duquesa de Bragança beijaram a mão de Filipe II, e o reconheceram como rei de Portugal. Isso terminantemente fulmina qualquer direito que a casa de Bragança tivesse ao trono português.


29.3. “(...) fazendo saber ao Rei Católico que Dona Catarina estava disposta a ceder dos seus direitos, desde que o seu filho casasse com a sua filha e se fizessem algumas coisas mais, conforme Dom Henrique, por assentimento do mesmo Rei Católico, lhes prometera antes de morrer. Estando, pois, na conjuntura de se terem de submeter ou à tirania de Dom António ou ao domínio do Rei de Espanha, preferiam este último visto Sua Majestade ter acolhido com bom ânimo as suas propostas. Mas a doença e a morte da Rainha, sua mulher, impediu-o de concluir este negócio.“ (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.259).


29.4. “Não esperou o Duque de Bragança a solução do seu desejo de ser sogro de Filipe II para jurar obediência ao novo Rei de Portugal. Por um seu procurador fez, a 10 de Dezembro, o juramento com a promessa de o repetir pessoalmente quando lhe fosse exigido e sob a condição de lhe restituírem Vila-Viçosa e o Castelo.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.261).


29.5. Dona Catarina, Duquesa de Bragança, filha do Infante Dom Duarte, foi uma das que mais fez oposição a Dom António. Embora não tivesse direito algum, queria ela o trono. Como já se disse, há dois fundamentos consagrados no direito português no que se refere à sucessão: a preferência cronológica e varonil. Ante esses dois crivos, Dona Catarina não tinha direito algum, pois era filha de Dom Duarte, o oitavo filho do Rei Dom Manuel, e além disso casou na casa de Bragança. O Infante Dom Luís, que também é filho do Rei Dom Manuel, é o quarto filho na ordem cronológica, e contado como o secungênito na sucessão, pois é varão. Ora, se o Rei Dom João III morresse sem geração, ou sua geração restasse extinta, então o próximo na sucessão é o Infante Dom Luís. Caso Dom Luís morresse sem geração, então o próximo na sucessão seria o Infante Dom Fernando, e assim por diante até chegar em Dom Duarte. No entanto, a geração do Infante Dom Luís não morreu, pois Dom António é seu filho. Enquanto a geração de Dom Luís não fosse extinta, a primogenitura não passaria jamais ao irmão mais novo de Dom Luís, que seria Dom Fernando. Muito embora todos os irmãos tivessem morrido sem geração, a de Dom Luís continuava viva na pessoa de Dom António. O Direito de Primogenitura não contemplava Dona Catarina. Além do mais, em face do segundo critério, o varonil, as “fêmeas” não eram contadas como sucessoras, pois passavam a integrar casa alheia. Uma mulher que casa, passa a fazer parte da casa em que entrou, e para ela gera sucessores. Se o marido morrer cedo, e os filhos forem menores, ela é quem passa a ser a liderança daquela casa, por isso não pode ser contada como sucessora em sua casa de origem, para que não haja o risco de a casa de seu marido fique acéfala. E mesmo que não haja esse risco, por haver já filhos maiores, não pode ela voltar a casa de seu pai como sucessora, pois se desligaria da casa de seu marido. E para não se desligar, ela teria que “trazer a casa de seu marido para a casa de seu pai”, e isso significaria sobrepor uma à outra, do que resultaria na extinção da casa paterna. A casa a qual Dona Catarina pertencia era a de Bragança, não podendo ela dali se desligar, pois aniquilaria a linhagem de Dom Manuel. E como já dito, a linhagem do Rei Dom Manuel estava viva na pessoa de Dom António.


29.6. Os ilícitos perpetrados pelo Infante Cardeal Dom Henrique e a oposição de Dona Catarina e seus partidários foram determinantes para a derrocada de Portugal em 1580. Dona Catarina muito contribuiu para disseminar a cizânia entre os nobres, o clero e o povo português. Não pôde ela, em nome do bem maior da preservação da independência de Portugal, aliar-se a Dom António, pois para ela este era o inimigo comum a combater, e não Filipe II. Preferiu ela a tirania de Filipe II do que a legitimidade de Dom António! Que se pode dizer de um português que ajuda o invasor a conquistar o território de seus compatriotas? Seja em que país for, isso só tem um nome: TRAIÇÃO! A casa de Bragança foi omissa na defesa da pátria, e a muitos cooptou para que também se omitissem. E quando a tirania de Filipe II se consolidou, o Duque de Bragança lhe foi fiel vassalo.


29.7. “Evidente que Filipe II não queria casar com a filha do Duque de Bragança; evidente que o Duque de Bragança jurou obediência ao Rei de Espanha para melhor fazer o seu negócio; evidente que se apelou para a notória influência do Arcebispo de Braga na côrte romana em último caso; e evidente também que nem o Papa nem Dom Frei Bartolomeu se interessaram deveras por este casamento. O Papa limitou-se a escrever ao seu confessor; Dom Frei Bartolomeu apenas afirmou que seria de utilidade para o país. E de facto era. O país lucrava, evidentemente mais, em ter uma rainha portuguesa do que totalmente estrangeira como Filipe II, na hipótese de ser um contrapeso às eventuais violências. Mas quem lucrava de verdade nas honras e nos proveitos, era a família Bragança; passava a vender-se por maior preço do que o premeditado pela ambição de Castela. Filipe II oferecera-lhe um Príncipe; Dona Catarina queria um Rei. O acto de compra era o mesmo. O preço da venda era mais alto.” (CASTRO, Pe. José. O PRIOR DO CRATO. Lisboa: União Gráfica, 1942. p.263).


29.8. Já no início do governo da Dinastia de Avis, O Conde de Barcelos, filho bastardo do Rei Dom João I, não foi feito duque exatamente para ser mantido distante da linha sucessória. Nuno Álvares já havia sido ricamente recompensado pelos seus préstimos à pátria. Porém o filho bastardo do Mestre não se sentia satisfeito com sua condição, sentimento que impregnou sua descendência, que sempre procurou criar laços com a linhagem principal, especialmente por casamento, para ter a oportunidade de figurarem entre os sucessores ao trono português, além de primar pelo acúmulo de títulos e bens. Dom Manuel procurou deixar claro a situação dos Braganças: mandou fazer uma sala onde no teto estão os nomes de seus filhos, seus legítimos sucessores ao trono, além de colocar o nome de todas as famílias da alta nobreza de Portugal, que tinham contribuído de maneira significativa para o Reino de Portugal. Em nenhum lugar daquela sala está o nome Bragança. Mais uma evidência de que a linhagem de Bragança está distante da linhagem da Dinastia de Avis, jamais podendo ser elevada ao trono enquanto a linhagem da Dinastia de Avis existir. Eis os nomes que constam na Sala de Armas de Dom Manuel:


29.9. Ao centro, as armas do Rei D. Manuel I;
Filhos de Dom Manuel em ordem de sucessão ao trono:
Filho primogênito: Infante Dom João;
Filho secungênito: Infante Dom Luís;
F5: Infante Dom Fernando;
F6: Infante Dom Afonso;
F7: Infante Dom Henrique;
F8: Infante Dom Duarte;
F3: Infante Dona Isabel;
F4: Infante Dona Beatris;

29.10. Famílias nobres portuguesas:


42 - Aboim
27 - Abreu
71 - Aguiar
23 - Albergaria
14 - Albuquerque
24 - Almada
16 - Almeida
15 - Andrade
66 - Arca
04 - Ataíde
25 - Azevedo
58 - Barreto
55 - Bethancourt
72 - Borges
28 - Brito
35 - Cabral
43 - Carvalho
26- Castelo-Branco
03 - Castro
07- Castro (da Penha Verde)
63 - Cerveira
59 - Coelho
32 - Corte-Real
45 - Costa
02 - Coutinho
08 - Cunha
05 - Eça
69 - Faria
18 - Febos Monis
61 - Ferreira
53 - Gama
65 - Góios
56 - Góis
68 - Gouveia
21 - Henriques
33 - Lemos
19 - Lima
49 - Lobato
30 - Lobo
40 - Malafaia
17 - Manuel
38 - Mascarenhas
41 - Meira
12 - Melo
22 - Mendonça
06 - Meneses
36 - Miranda
44 - Mota
29 - Moura
54 - Nogueira
01 - Noronha
47 - Pacheco
10 - Pereira
46 - Pessanha
57 - Pestana
64 - Pimentel
67 - Pinto
60 - Queiróz
34 - Ribeiro
31 - Sá
39 - Sampaio
62 - Sequeira
52 - Serpa
13 - Silva
48 - Sotomaior
09 - Sousa
37 - Tavares
20 - Távora
50 - Teixeira
51 - Valente
11 - Vasconcelos
70 - Vieira

29.11. É um contra senso admitir que a Casa de Bragança, que reconheceu os Filipes de Espanha como senhores, contra os interesses nacionais da época, seja agora considerada como a que libertou Portugal do jugo de Castela, pois foi esta mesma casa que pugnou por defender o rei de Castela como seu “senhor natural”. Depois de ter afastado o herdeiro legítimo ao trono português, Dom António, a posteridade do Duque de Bragança aparece como a defensora da independência de Portugal. Isso é contra toda a justiça! Conclui-se que a “Restauração” não restaurou coisa alguma porque o trono português não foi ocupado por quem de direito. A posse de Filipe II é violenta; a posse dos braganças é clandestina. A descendência de Dom António continuava viva, e lutava para voltar ao trono, mas os braganças sempre resistiram aos legítimos sucessores da coroa.


29.12. Se Dom António não pôde permanecer em Portugal na época de Filipe II, seus descendentes também nada puderam fazer depois da “Restauração”. Os braganças jamais permitiriam que ninguém da descendência de Dom António reclamasse o trono. Houveram muitas perseguições anônimas até que tudo se acalmasse. Aquele ramo que se escondeu no Brasil teve de permanecer incógnito por todos estes séculos até que os regimes democráticos derrubassem as ilegítimas monarquias. E agora, como que renascido das cinzas, como que saído da sepultura, levanta-se este ramo da descendência de Dom António a novamente clamar por justiça.


30. Genealogia da Dinastia de Avis


30.1. Fazem parte desta petição os gráficos anexos que apresentam os integrantes da Família Real Portuguesa, da Dinastia de Avis. As linhagens desta Dinastia são bem conhecidas até o Rei Dom António, mas a partir dos filhos deste já não houve a diligência requerida pelos motivos já expostos. Como se disse acima, há informações que indicam que uma das filhas do Rei Dom António, que fôra raptada, foi posteriormente resgatada por ginetes reais. Ela foi levada para um navio que partiu para o Brasil. Adentraram por um rio na costa do atual Estado do Espírito Santo. Ainda não temos certeza se foi pelo rio Cricaré, mais ao norte do estado, ou foi pelo Rio Doce. Os tripulantes e passageiros ainda moraram no navio algum tempo até construírem uma casa. Para preencher as lacunas sobre a posteridade da filha do Rei Dom António é preciso da participação do Estado de Portugal que, de forma interativa, criará e promoverá as condições necessárias para a obtenção das provas pertinentes, e nos termos da Parte XII.


Parte XI – Do Ônus da Prova

31. Do Ônus da Prova


31.1. A crise sucessória portuguesa de 1578 é um marco histórico a partir do qual as relações entre os países europeus foram alteradas substancialmente. Daquele momento em diante, especialmente em razão da luta de Dom António para reaver o trono português, os países da Europa foram arrastados para a guerra aberta, pela disputa dos territórios ultramarinos, depois conhecidos como colônias, o que redesenhou o mapa geopolítico mundial. Em meio a essa guerra generalizada, aqueles que sabiam não ter direito algum que amparasse suas pretensões, como foi o caso de Filipe II, que anexou Portugal, se lançaram à destruição de provas que lhe fossem contrárias. Isso se deu principalmente de duas formas: crônicas foram reescritas para “adaptar” a história ao gosto dos novos dominadores, e documentos foram ocultados ou destruídos. Além de levar muitos documentos para a Espanha, tratou Filipe de ordenar que a gloriosa história de Portugal fosse reescrita sob a ótica de Castela. Veja-se, por exemplo, as crônicas de Duarte Nunes Leão, que pretenderam recontar a história de Portugal desde a sua formação. Onde estão as crônicas originais? Talvez levadas para Castela. As que estão em Portugal, todas elas foram reescritas. E depois, sobrevindo a “Restauração”, por não serem os legítimos herdeiros do trono de Portugal, os braganças também continuaram essa obra de ocultação ou destruição de documentos, e também de reescrever a história pela sua ótica, mas aproveitando o maléfico legado de Filipe II. Exemplo desse esforço bragantino são as “Provas Genealógicas” de Caetano de Sousa, que procura abafar a voz da justiça usando de expedientes, tais como o título “sereníssima”. Nada há mais controvertido na história portuguesa que a ascensão dos braganças ao trono. Em suma, tais condutas, de ocultação ou destruição de documentos, notadamente os documentos relativos a Dom António, e edição de crônicas reescritas evidenciam a má-fé daqueles que o fizeram.


31.2. Há muitos objetos e documentos em posse de terceiros, sejam entidades públicas ou não, especialmente livros de registros, que provam os fatos aqui relatados. A recusa em exibi-los, a alegação de não existirem, mesmo em face de evidências que comprovam sua existência, a alegação de que foram destruídos, ou qualquer outra alegação de que se valha para não apresentar a prova tem o condão de inverter o ônus da prova. Isso porque os detentores de registros, seja de que natureza forem, respondem objetivamente pela guarda do documento, pois os tais fazem prova pleníssima do estado das pessoas, o que é de altíssima relevância subjetiva, sendo mesmo um dos direitos da personalidade do indivíduo. Além disso, é pacífico que o patrimônio histórico deve ser defendido, não sendo à toa todo o esforço da sociedade nesse sentido. O Estado assume atualmente o papel de mantenedor do patrimônio histórico, e isso gera a ele o dever de agir para proteger esse patrimônio. Portanto há um ônus para os detentores de documentos, que fazem registro do estado das pessoas, de exibir os documentos respectivos que provem o oposto que aqui se afirma. Desse ônus têm eles o dever de se desincumbir, o que não ocorrendo, gera a inversão do ônus da prova, pois fica evidenciado a violação de um dever a que eles mesmos se obrigaram, gerando um enorme dano para os interessados nas respectivas documentações.


31.3. “Há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (art. 344º do CC português).”


31.4. “Dá-se também a inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, por exemplo inutilizando um documento que serviria ao autor para fazer a prova do fundamento do seu direito.” (RODRIGUES, Fernando Pereira. OS MEIOS DE PROVA EM PROCESSO CIVIL. Coimbra: Edições Almedina S.A., 2015).


31.5. Novamente é necessário chamar a atenção para isto: MUITOS DOCUMENTOS FORAM OCULTADOS OU DESTRUÍDOS para impedir que fosse feito prova contra os autores dessa ocultação ou destruição. E também crônicas foram reescritas causando um prejuízo histórico inimaginável! E é a isso que damos o nome de “sonegação histórica”, pois a ação de destruir provas e reescrever documentos somadas à ausência de reconhecimento de tais agressões, produzem um estado de inércia letárgica que não permite o estabelecimento da verdade dos fatos. E em razão de os documentos terem sido destruídos, e as crônicas reescritas, inverte-se o ônus da prova, restando aos autores dessas ações a obrigação de se desincumbir deste ônus. E também, como já se disse, em razão de se tomar para si esse mister, seja o Estado, seja o particular, doméstico ou internacional, a responsabilidade é objetiva, dado que há um dever de preservar os registros históricos sob sua guarda. Não fornecer certidão de um documento comprova por si só a má-fé, porém esta não precisa ser comprovada, como dito acima. E desse ônus deve o detentor do documento dele se desincumbir.

Parte XII – Da Auditoria Histórica

32. Da Auditoria Histórica


32.1. A busca pela verdade dos fatos é uma das atividades a que o Homem tem se dedicado desde tempos imemoriais. Por isso mesmo houve sempre a preocupação em fazer registro de todo o fato que se considerasse necessário. É sabido de todos que há registros de importância fundamental para as pessoas, pois fazem prova pleníssima de certos direitos como, e.g., o direito de propriedade. Seja por um direito subjetivo, seja para enaltecer a história de um povo, vários profissionais se dedicam a descobrir e preservar qualquer objeto relevante para a história de uma pessoa ou grupo de pessoas. Portanto a pesquisa histórica se presta a conhecer os fatos históricos com a intenção de se aproximar ao máximo da verdade. A auditoria histórica também tem esse objetivo, porém sua atividade tem um escopo mais específico: constatar se o processo histórico alcançou os objetivos estimados por todos aqueles que fizeram parte de certo momento histórico. E isto é o que justamente se propõe aqui: um exame detalhado e cuidadoso da história de Portugal, coletando-se tudo o que possa servir de prova para cotejar com os fatos alegados nesta petição. É preciso averiguar as expectativas da sociedade portuguesa da época, bem como examinar o Direito existente, e comprovar se o curso dos fatos correu no sentido daquelas expectativas e conforme o Direito. Uma vez verificado isso, restará esclarecida definitivamente a história do Rei Dom António e seus descendentes, de forma que os resultados da auditoria histórica revelarão se os fatos alegados nesta petição comprovam o desvio do curso da história portuguesa, fazendo-se justiça ao prezar pela verdade e ensejando uma posterior correção de rumo. Se os fatos trazidos à baila nesta petição forem confirmados por uma auditoria histórica, propõe-se a celebração de um tratado, ou outro instrumento idôneo que o Estado português julgue mais adequado, que restabeleça os direitos dos descendentes do Rei Dom António.


33. Da Participação da República Portuguesa na Produção de Provas


33.1. Em razão da natureza deste caso, bem como de sua envergadura, é preciso que a República Portuguesa se disponha a participar dele com afinco, em busca da verdade. Primeiramente porque é do interesse nacional que os documentos e objetos que façam prova da história portuguesa sejam revelados. É justamente por isso que há tantos grupos de pesquisa e arqueologia trabalhando por desvendar as riquezas da história de Portugal, riqueza essa produzida sob a liderança dos antepassados dos requerentes que aqui se apresentam como sucessores. Em segundo lugar, somente um órgão de soberania português tem o poder necessário para determinar que os documentos sejam exibidos, quer sejam os que se encontram sob a posse de algum departamento ou órgão de estado português, quer sejam os que se encontram sob a posse de alguma pessoa natural ou coletiva, nacional ou internacional, especialmente os documentos que estão sob a posse da Igreja Católica Apostólica Romana. Esta geração dos descendentes do Rei Dom António que aqui se apresentam, têm lutado por mais de 40 anos para recolher toda a documentação necessária e, embora conheçam os muitos lugares onde se encontram, lhes é negado o acesso a tais documentos. Sem sombra de dúvida que com o aval do Estado Português haverá melhor condição de acessar tais documentos.


34. Da Formação da Equipa


34.1. Propõe-se que seja formada equipa com pessoas de renome, nacional ou internacional, nas áreas de interesse do grupo de pesquisa, tais como arqueologia, topografia, história, e qualquer outra área considerada importante para o desenvolvimento dos trabalhos. A criação dessa equipa, bem como a direção dos trabalhos ficarão a cargo dos requerentes, enquanto a remuneração dos integrantes da equipa e os gastos para a realização dos trabalhos caberão ao Estado português. A equipa deverá ser assim composta:


I - Diretor e Vice-Diretor: são as autoridades máximas da equipa. A direção dos trabalhos necessariamente deverá ser dos requerentes, ocupando os cargos de Diretor e Vice-Diretor. A Direção terá a competência exclusiva de contratar ou demitir, a qualquer tempo, enquanto durarem os trabalhos. O Diretor e Vice-Diretor serão remunerados semanalmente pelo Estado português enquanto durarem os trabalhos.


II - Coordenador: haverá um coordenador, subordinado ao Diretor e Vice-Diretor, que servirá de ligação entre a direção e o restante da equipa, em razão das possibilidade de se lidar com situações que compreendam a utilização de linguagem técnica estrangeira.


III - Chairman: O Estado de Portugal poderá designar uma pessoa natural para fazer o acompanhamento dos trabalhos. O Chairman tem o poder de fiscalizar o andamento dos trabalhos, consultar todos os objetos obtidos, e fazer sugestões sobre o trabalho para a Diretoria. Não tem porém o poder de interferir, seja a que título for, no andamento dos trabalhos. Poderá o Chairman ter a seu serviço pessoas que formem uma equipe de escritório, tais como secretárias, motoristas, de acordo com o que o Estado português determinar.


IV - Demais funcionários que forem julgados necessários pela Direção para a consecução dos trabalhos.


35. Do Objetivo dos Trabalhos da Equipa de Pesquisa


35.1. O objetivo dos trabalhos da equipa de pesquisa é coletar todo o material possível para averiguar se o Direito vigente no período histórico pesquisado foi observado a fim de comprovar se o curso da história portuguesa seguiu o seu legítimo rumo, o que indiretamente também fará prova dos direitos da linhagem principal dos descendentes do Rei Dom António, a qual os requerentes pertencem. Espera-se assim que haja a celebração de um tratado onde lhes seja devolvido o seu espaço na sociedade portuguesa, especialmente o patrimônio, perdido em decorrência dos eventos de 1580 e seguintes, todos já narrados.


36. Da Propriedade dos Objetos Encontrados


36.1. Em consonância com o item anterior, a propriedade de todos os objetos encontrados e relacionados pela equipe de trabalho, especialmente as cópias de certidões expedidas, ou objetos de valor, será reconhecida desde já pelo Estado português como pertencendo aos requerentes, nada podendo exigir ou reclamar, ou seja,  tais objetos já incorporarão o patrimônio dos requerentes ainda na duração dos trabalhos da equipa de auditoria histórica, isto é, antes mesmo de serem encontrados pela equipe de auditoria.


Parte XIII – Do Pedido

37. Ante o exposto, requer formalização de tratado onde devem constar pelo menos os seguintes pontos:


I - A República Portuguesa promete reconhecer como detentora do direito de primogenitura e, portanto, como única e legítima Herdeira e Chefe da Família Real Portuguesa, GLAUCY LUCAS BRAGANÇA.


II - A Herdeira e Chefe da Família Real Portuguesa promete apresentar as provas nos termos referidos na Parte XII acima.


III - A República Portuguesa se obriga a suprir os gastos com a produção de prova nos termos referidos na Parte XII acima.


IV - A República Portuguesa declara desde já que se obriga a reconhecer a Sra. Dona Glaucy Lucas Bragança como titular de todos os bens encontrados e arrolados na produção de provas decorrente dos trabalhos da auditoria, nos termos do número 36, e considerará tais bens particulares, insuscetíveis de apropriação pela República Portuguesa, nem por nenhum órgão de soberania português, ou nenhuma pessoa natural ou coletiva de direito público ou privado, e promete nada exigir ou reclamar e fazer com que ninguém exija ou reclame, de nenhuma forma, direito algum sobre os ditos bens, sejam eles de que natureza for.


V - Para a obtenção dos documentos, ou qualquer outro objeto, a República Portuguesa se obriga a interceder junto às pessoas de direito público ou privado, nacional ou internacional, naturais ou coletivas, para o fim de contribuir com a produção de provas, especialmente nos termos do número 33, devendo inclusive impor ou negociar um “facere” de qualquer pessoa que detenha documento ou objeto em seu poder.


VI - Alteração da versão histórica oficial pela revisão de registos para colocar novamente Dom António como o 17º rei português.


VII - Condenação da linhagem de Bragança, que se apossou do trono clandestinamente, à devolução de todos os bens adquiridos na constância da ocupação do trono, bem como indenização equivalente.


VIII - Interrupção de qualquer pagamento que porventura ainda seja dado à linhagem de Bragança recebido em razão do seu afastamento do governo de Portugal, bem como de quaisquer outros benefícios, isenções, títulos, ou regalias.


IX - Seja elaborado relatório e parecer favorável a esta petição para sua apreciação em Plenário, de acordo com o art. 24, 1, b, da Lei 43/90, tendo em conta o âmbito dos interesses em causa e a sua importância social e cultural.


X - Sejam aceitas as assinaturas colhidas de todos os signatários desta petição, nos termos da lei.


Protesta provar o alegado por todos os meios de prova admitidas no âmbito jurídico e político, nos termos desta petição.


N. termos,
P. Deferimento.


Torre de Moncorvo, Bragança, domingo, 11 de outubro de 2021.
GLAUCY LUCAS BRAGANÇA
TENISOY BRAGANÇA DE ARAÚJO

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